Conheça seu bartender e sua receita – Maicon Onofre (SP)

O bartender Maicon Onofre costuma dizer que caiu no ramo de A&B de uma maneira muito peculiar, depois de uma jornada de cinco anos na área de saúde entrelaçados entre a faculdade e as horas dos plantões em hospitais regados de dor e sofrimento, viu uma necessidade enorme de mudança.

Em um dia chuvoso, perdendo tempo nas redes sociais se depareu com um post, o anúncio de um curso básico de bartender e se inscreveu e conheceu lá pessoas maravilhosas. Era um curso básico, de apenas dois dias, onde já no primeiro dia Maicon recebeu o convite do professor pra conhecer o bar que ele trabalhava na época. Maicon foi conhecer o bar e não sai mais dele, “a sensação foi tão incrível que fiquei preso no bar”.

Hoje Maicon é o bartender do Sorokos Bar, na região central de SP. Já se passaram três anos e todos os dias parece o primeiro para o bartender, desde o mise-en-place ao fecha, de uma maneira geral Maicon acredita que encontrou o que buscava, e que está em um constante aprendizado e pretende seguir crescendo na profissão.

Conheça o bartender

Como você percebia o mercado de A&B em relação à corpos da diversidade presentes em 2010?

Em 2010, data um pouco distante da minha realidade e vivência atual, eu me recordo poucas ou nenhuma participação da diversidade no setor de A&B, me recordo muito bem da figura objetificada do corpo feminino nos comerciais televisivos de cervejas, como a famosa propaganda Verão da cerveja Itaipava. Em relação a comunidade LGBTQIA+ me recordo sendo vista e representada apenas como figura de fragilidade e piada, onde sempre era personagens afeminados e sempre motivo de risada dos demais.  Dentro dos bares na época, nunca vi alguém abertamente gay exercendo uma profissão.

Como você percebe, agora, o mercado de A&B em relação aos corpos da diversidade presentes no momento?

Hoje é muito visivel e nitido que estamos conquistando nosso espaço no mercado de trabalho. Não foi facil, foi preciso muita discução, muito debate, além de tudo, foi preciso muitas pessoas da nossa comunidade perderem suas vidas nos anos que se passaram, para que hoje as mulheres deixassem de ser apenas objetificadas nos comerciais de TVs, que gays fossem apenas motivo de piada e que eu pudesse exercer a profissão de Bartender, como um homem abertamente gay.

Como foi a sua vivência no bares do início da sua carreira até o momento?

Desde que iniciei no setor, nunca tive que passar por nenhuma situação constrangedora, ou algo do tipo. Sempre pude ser exatamente a pessoa que sou, sem medo de ser repreendido ou ter meu desempenho profissional  questionado por qualquer qualquer motivo.

Você sofreu algum tipo de abuso, rejeição ou preconceito por parte de colegas profissionais ou superiores imediatos? E quanto ao público consumidor?

Em relação aos profissionais e colegas de trabalho nunca tive atritos ou situações de abuso, rejeição ou preconceito. Entretanto já vivi uma experiência de abuso  muito desagradável com um cliente, uma situação a qual durante muito tempo me senti mal, e nunca estive muito a vontade em dividir com outras pessoas. Hoje depois de alguns meses, consigo expor a situação nitidamente e acredito que devemos falar sobre, para que você, leitor possa visualizar:

_ Tudo parecia normal, um dia comum com todas as rotinas diárias, foi praticamente no final do expediente, quando um cliente entrou no bar; no inicio da pandemia, por conta da redução de funcionários, precisei me aventurar na cozinha também,  e gostei muito, exceto pela experiência que fui submetido nesse dia em especifico; “esse cliente, que aparentava seus 45 anos, chegou no bar, pediu algumas cervejas, que eu mesmo servi, depois de algum tempo me pediu um burger, que eu também iria preparar,  depois de alguns minutos na cozinha fui pego de surpresa pelo cliente enquanto estava  de costas, o indivíduo me segurou forte pela cintura,  eu me assustei e de pronto revidei,  ao me virar, ele estava com o zíper aberto e com o pênis ereto. Sem entender bem o que estava acontecendo no momento tentei indagar, e ele disse que eu havia tropeçado em seu pé.  Em um segundo, me descontrolei e o fiz descer vinte degraus de escada sob chutes e ponta pés”.

Hoje sob uma outra visão, percebo que tive força em reagir, coisa pior poderia ter acontecido, e em outra visão se fosse outra pessoa, talvez não tivesse reação e não teria se livrado de um abuso sexual. Relatando esse acontecimento, espero que ninguém passe por qualquer situação nesse sentido, pois a sensação de impotência é algo que corroe os pensamentos de forma surreal.

Como você reage em geral à situações de exclusão ou distanciamento por ser uma pessoa diferente do seu meio em geral?

A relação e o ato de auto-aceitação aconteceu quando tinha apenas dez anos de idade, sempre soube que era de certa forma diferente, precisei enfrentar o processo de amadurecimento muito precoce, de fato deixei de ser criança muito cedo para enfrentar as piadinhas e o preconceito muito cedo. Hoje, com os anos que se passaram, entendo que sofri bastante, mas ao mesmo tempo, criei uma cama densa de proteção, então não me abalo facilmente, e consigo forças pra lutar por outras pessoas da minha comunidade.

Conta pra gente um momento de vitória em que você pôde atuar contra alguma atitude abusiva, excludente ou preconceituosa contra pessoas (ou você) por pertencer à diversidade LGBTQIA+.

A minha primeira vitória eu acho que nunca vou me esquecer,  foi quando finalmente consegui encarar meus demônios e me assumir pra minha família, óbvio que nada saiu como eu esperava ou um dia eu imagine, precisei sair de casa aos dezessete anos e desde então me libertei de tudo que me limitava. Eu acredito que essa é a maior vitória de qualquer pessoa LGBTQIA+, pois o maior índice de todas as Fobias da Comunidade acontece dentro de casa.

Quais conselhos você daria para os nossos colegas de trabalho em relação ao tratamento de pessoas para evitar atos de desrespeito, crimes de preconceito, bullying e abusos contra qualquer tipo de pessoa?

Hoje, tudo é de muito fácil acesso, todo mundo, ou a maioria das pessoas, melhor dizendo possui acesso a internet, então não podemos continuar insistindo que toda a grande parte do preconceito é causado pela ignorância e falta de acesso à informação, seja ela feita de forma on-line ou não. Então vamos parar de perder tempo  disseminando ódio na internet e compartilhar mais amor. Acho que esse seria o melhor  conselho.

Se você pudesse voltar no tempo, olhar pra si mesmo com 8 anos de idade, qual conselho você se daria pra encarar o seu futuro?

“Neném, a vida não vai ser nada fácil, e você já sabe disso, mas saiba de antemão que você saberá lidar da melhor forma com todas as merda que te for impostas, e que tudo estará bem, não importa o momento, apenas não desista. E nunca volte com a sua palavra. Pois ela será a sua chave de entrada em qualquer local.”

Qual coquetel clássico na história você escolheria para se homenagear com Orgulho e porquê?

Inventado pela bartender Ada Coleman, que foi a primeira chef de bar do American Bar no Hotel Savoy de Londres, O Hanky Panky é um coquetel elegante e simples como todo bom clássico. O nome do coquetel vem da frase utilizada por um cliente, que Ada quis surpreender, ao prová-lo pela primeira vez ele disse: “By Jove! This is the real hanky panky!” que numa tradução literal pode ser “Virge! Isso sim é sacanagem!”

Qual a sua mensagem de inspiração para as próximas gerações de bartenders dos próximos 10 anos?

Assim como gerações passadas lutaram décadas e décadas atrás, para que hoje nós pudéssemos ter esse espaço, nós também iremos lutar incansavelmente para que décadas depois de hoje você tenha ainda mais espaços para ocupar, iremos batalhar tantas vezes quanto necessárias até que nossa voz e as vozes inúmeras silenciadas, finalmente seja ouvidas.

aprenda a receita

Kaizen

50 ml Bourbon
20 ml Ramazzotti Rosato
15 ml Lillet
7,5 ml suco de limão siciliano
água gaseificada

Em um copo tipo Hightball, adicione os ingredientes, gelo e misture bem com o auxilio de uma colher bailarina, adicione um splash de água gaseificada. Finalize com gelo britado no topo e as guarnições de raspas de cumaru, folhas de Louro e limão desidratado.

Kaizen – do japonês–  e significa “mudança para melhor”.  – na verdade, a filosofia de melhoria contínua na vida em geral – seja pessoal, familiar, social e profissional. “ Na pratica quer dizer que se depender de mim, hoje será melhor que ontem; e amanhã será melhor que hoje. E assim continuamente.

Mês da Diversidade no Bar

O Mixology News realiza em 2021 o Mês da Diversidade no Bar para informar e valorizar a diversidade de bartenders durante o mês do Orgulho LGBTQIA+.

A campanha traz diversas entrevistas com bartenders no portal, lives diárias com influenciadores e autoridades na causa no instagram e um webinar no youtube com bartenders.

Idealizado pelo Mixology News em parceria com o bartender Thomas Souza e com apoio de Cointreau, o licor de laranja mais famoso do mundo, produzido na França e importado pela Interfood Importação.

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