Entrevista com Jaciane Andrade, bartender de Curitiba

Jaciane Andrade já trabalhou na área administrativa de um bar e trabalhava com eventos quando o Paradis Club anunciou que abriria suas portas e ela resolveu enviar seu currículo. Ela já tinha certa familiaridade com o bar e as bebidas pois já estava acostumada com eventos. Entrou como barback e saiu de lá quase três anos depois chefe de bar.

“Foi incrível no inicio da minha trajetória como bartender fazer parte de uma equipe liderada por mulheres, da chefe de bar a chefe de segurança, cardápio impecável assinado por outra mulher, a maravilhosa  Patricia Bandeira, sem esquecer a nossa big boss chiquérrima Flavia Prieto.”

Lá aprendeu muito e cresceu como ser humano e profissional. Durante algum tempo dividiu suas noites entre o Paradis Club e o icônico Bar Tiger, onde pode aprender muito também. Depois comandou os balcões do Dry Bar no Slaviero Palace Hotel e o extinto Bubba Cwb, além de passagens pela saudosa Vox Bar.

Paralelo a isso, em 2018 iniciou sua empresa de bar para eventos, tendo ótimas parcerias, como os dois maiores clubes de Curitiba. E Jaciane também faz parte da equipe Destination Wedding Art, empresa especializada em casamentos com destinos exóticos/luxuosos.

Atualmente lidera a equipe do Mykola Lab Bar em Curitiba, também é treinadora parceira da Diageo Bar Academy e atua como consultora com projeto em andamento em Curitiba e Maceió.

Parte das suas horas de trabalho semanais são dedicadas aos projetos e necessidades do Coletivo Corre Guria rede de apoio para o desenvolvimento feminino que está retornando as atividades.

Confira a entrevista

Qual o seu hobby fora do bar?
Amo plantas e antiguidades, então no meu tempo livre gosto muito de mexer na terra, o que me ajuda muito em pesquisas sobre plantas e como posso utiliza-las no bar. Sou fã daquele garimpo perfeito de discos e outras preciosidades nos sebos, feiras  e lojas de antiguidades. Tenho uma estufa com pelo menos 100 tipos de plantas diferentes e uma bela coleção de cristais e utensílios de prata para o bar, antiguidades que são meu xodó. As vezes viro uns disquinhos na twitch.tv com outros colecionadores de vinil e dj´s , também  gosto muito de cozinhar e andar de bicicleta.

Com o que você trabalhava antes do bar?
Sempre trabalhei com arte e comunicação que é a minha formação acadêmica, então basicamente meu trabalho sempre foram pessoas. Comecei na rádio logo que me formei em Bellas Artes, passei pela tv, galerias de arte e agências de publicidade. Por algum tempo trabalhei com comércio exterior, mas eventos sempre fizeram parte do cardápio da minha rotina, sempre gostei de festa, foi assim que me aproximei do bar.

Qual seu drink favorito?
Meu preferido de todos os dias é o Negroni que a gente consegue tomar em qualquer lugar, mas momentos especiais pedem um Last Word ou um Brandy Crusta.

Qual drink você não suporta beber?
Olha, acho que qualquer um extremamente doce.

Sua renda é exclusiva do bar?
Hoje 100% da minha renda vem do bar, consultorias e eventos. Ou seja, tempos difíceis para os operários da coquetelaria hahaha

Como foi que você decidiu entrar para a vida de bartender?
Eu era mídia em uma famosa agência de publicidade e estava frustrada de todas as formas possíveis, surgiu a necessidade de cobrir uma amiga de licença maternidade na área administrativa de um bar, fiquei lá seis meses o que ampliou significativamente meu horizonte profissional. Aprendi muito sobre planejamento de compras, estoque e gerenciamento de equipe.

Foi horrível, tenho que confessar, eu era a única mulher numa equipe de 12 caras gigantescos e machistas. Mas ao final dos seis meses as feras estavam domesticadas, o bar limpo e organizado, zero furos e atendimento impecável, depois dessa experiência decidi deixar a agência de vez e entrar no mundo do bar de cabeça.

Há quanto tempo você está na trajetória de bartender?
São seis anos dedicados só ao bar e a coquetelaria, pelo menos uns dez anos de eventos e festas.

O que você mais gosta nessa vida de bartender?
Sou apaixonada pelas pessoas e lugares que tive a oportunidade de conhecer, amo como aprendemos a construir pontes e laços entre mundos e pessoas. A fusão de culturas, a troca de confiança e as múltiplas experiências envolvidas. É impressionante como a coquetelaria passeia por todo o processo histórico/cultural do mundo, isso me encanta!

Qual a situação mais engraçada que aconteceu com você em um bar?
Numa noite muito agitada, aconteceu uma comanda com 16 Moscow Mule para o brinde de um aniversário de uma galera bem animadinha, quando entreguei  as canecas foi unanime, todos  disseram que foram os melhores que tinham tomado na noite.
Fiquei pensando se tinha feito algo diferente e percebi que não tinha colocado a vodca, não estraguei o momento festivo mas depois fui a mesa explicar o ocorrido e pediram outra rodada “agora com álcool Jaci!” (nunca fiz tanto Moscow Mule na vida como aquela noite)

Qual a situação mais desastrosa que aconteceu com você em um bar?
Já tive uma lesão no ombro levantando uma caixa de hortifrúti antes de abrir o bar (dobrem os joelhos, pensem nos movimentos jovens!) foi uma experiência péssima e não tive respaldo algum dos meus contratantes na época, fiquei de molho quase um ano.

Quem foram seus mentores de bar?
Tive muita sorte em ter a Patricia Bandeira, Lukas Siqueira, Karin Kaudy e Angelo Carpa comigo desde meus primeiros passos no bar. São pessoas que sempre me inspiraram e me inspiram a ser a minha melhor versão, além de serem profissionais incríveis.  Não posso deixar de citar também Rafael Oliveira e Igor Bispo que foram figuras essenciais para o desenvolvimento da coquetelaria na minha cidade.Quando e quem famoso você serviu e o que serviu?
Eu tive a honra de servir a rainha Elke Maravilha! Que bebia Dry Martini de Hendrick’s, taça apenas perfumada com vermute e três azeitonas, para os seus três goles.

Onde você busca sua inspiração para criar seus drinks?
Acredito que depende muito do tipo de coquetel e onde ele será servido, impossível ter apenas uma fonte de inspiração. Desde as coisas mais simples do dia a dia à músicas, filmes, gastronomia, histórias, lugares…

Para a criação de um coquetel, na sua opinião vale mais inspiração ou conhecimento?
Conhecimento é fundamental e necessário, mas acredito que ambos se complementam, então encontrar o equilíbrio entre os dois é o ideal para a criação de coquetéis que façam sentido.

Quem você gostaria de ter servido na vida e ainda não pode?
Eu gostaria de ter servido a Hebe Camargo, lágrimas. E ainda quero servir a Ivy Mix e a Julie Reiner, duas gigantes da coquetelaria que fazem trabalhos impecáveis  e são grandes inspirações pra mim.

O que você acha das releituras de drinks clássicos? Qual o seu favorito?
Acredito que releituras são um caminho bonito para entender sobre estrutura de sabor dos coquetéis e equilíbrio.  Eu gosto muito de uma variação de Garibaldi que tem no Mykola Bar, o Femena. É  feito com infusão de mate tostado em Campari, suco de laranja fresco e sálvia, uma belezinha!

Qual o ingrediente “coringa” para você, aquele que fica perfeito em qualquer drink?
Angostura né?! Conserta, equilibra, potencializa. Sempre brinco que deveria existir uma Angostura para a vida.

O que para você é inaceitável em um drink?
Gelo de má qualidade.

Na sua opinião, qual o clássico que nunca será ultrapassado?
Negroni né?! Esse senhor centenário sempre será sucesso.

No atendimento de bar, qual a principal característica que torna um bartender diferenciado?
Ser atento do oi ao tchau, realmente receber o cliente como gostaria de ser recebido.

Qual o maior erro que um bartender pode cometer na sua caminhada?
Não ter humildade e não ter respeito com outros profissionais. Nunca podemos esquecer que somos eternos aprendizes e que antes de nós houveram outros que abriram caminho até aqui.

Qual a sua maior conquista na área de bartender?
Em 2019 ganhei o premio Bom Gourmet que anualmente elege  o melhor drink da cidade, foi bem especial ser a primeira mulher a receber esse premio em dez anos de existência do mesmo. Além dos jurados especialistas eu tive a melhor votação do júri popular, foi muito legal!  Em 2019 também, fui semifinalista do Bacardi Legacy uma experiência inesquecível.

Mas o que considero mesmo minha  maior conquista como bartender foi a criação do Coletivo  Corre Guria, não tenho nem palavras para descrever como é forte e poderoso ter uma rede de apoio ao desenvolvimento feminino dentro do bar, tivemos o primeiro campeonato independente de coquetelaria para mulheres do Brasil (até onde temos noticia) e conseguimos ajudar mulheres em situação de risco. Acredito que a conquista de prêmios e campeonatos são importantes para a carreira de qualquer profissional, mas crescer como coletivo, colaborar para a evolução do mercado e das profissionais envolvidas é muito mais gratificante para mim.

Quais os seus planos para o futuro como bartender?
Pretendo me especializar em bebidas destiladas, seguir com o Coletivo Corre Guria levando o campeonato para outras cidades do Brasil e criar um centro de formação e treinamento para bartenders.

Qual a sua visão do futuro dos bares e da coquetelaria depois dessa crise?
Tenho uma visão bastante otimista para esse retorno, acredito que o consumidor está muito mais exigente e isso nos levará a buscar melhorias em todas as áreas do bar. Porem, é inevitável pensar que demos vários passos atrás quanto a direitos trabalhistas e melhorias nas rotinas de trabalho.

A crise afetou a todos, portanto mais que nunca, é necessário haver equilíbrio entre os interesses de empresários e funcionários  que dia a dia estão frente ao cliente fazendo a roda girar. Percebi nesse retorno desumanização nos processos de contratação, cargas horarias incompatíveis aos valores oferecidos e outras questões muito básicas que vem sendo ignoradas. Precisamos estar atentos!

3 CONSELHOS

Quais conselhos você daria para um jovem bartender?

1)  Valorize as pessoas
Antes de ser um bom profissional, seja um bom ser humano. Não esqueça que nosso negócio são pessoas, é sempre sobre pessoas.

2) Estude sempre
Estude e esteja sempre aberto a aprender e compartilhar. Conheça a história da coquetelaria e os coquetéis clássicos.

3) Siga a sua trajetória
Não se compare com outros profissionais e não romantize campeonatos ou prêmios, cada um tem a sua trajetória.

APRENDA A RECEITA

MILAGROSO 

50 ml gin infusionado em guaco
30 ml purê de abacaxi
25 ml mix cítricos (limão taiti, laranja bahia e limão cravo)
10 ml xarope simples
água tônica
espuma de gengibre

Adicione na coqueteleira todos os ingredientes menos a tônica e a espuma, complete com gelo e bata vigorosamente. Coe simples em um copo alto com gelo, complete com agua tônica e mexa levemente com a colher bailarina. Finalize com espuma de gengibre e folha de guaco no copo para perfumar.

Foto do drink por Letícia Akemi – Gazeta do povo e fotos da Jaciane Andrade por Isabela Nishijima

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