Conheça sua bartender e sua receita – Carol Grance (Florianópolis)

A bartender Carol Grance, é uma apaixonada pela profissão, atuando há mais de quinze anos na área de eventos e bar, inicialmente como complemento de renda e há seis anos trabalhando com alta coquetelaria, após realizar alguns cursos e muita vivência.

Atualmente a profissão é sua fonte de renda e ela conta que segue apaixonada pelo atendimento ao cliente e criação de cocktails. Morando em Florianópolis, já atuou em resorts de luxo, restaurantes de alta gastronomia, casa de samba, jazz bar, e acredita que cada experiência foi responsável por moldar a profissional que é hoje. Atualmente sou é barmaid e criadora da carta da Casa Soulmar, um multiespaço localizado na Ilha da Magia.

Conheça o bartender

Como você percebia o mercado de A&B em relação à corpos da diversidade presentes em 2010?

Eram empresas que buscavam um padrão de funcionário. Roupa social, muita maquiagem, minha personalidade e estilo foram anulados durante um bom tempo, me sujeitava pois precisava de dinheiro e da experiência que esses lugares elitizados ofereciam. Primeira vez que me posicionei numa empresa, fui convidada a me retirar, essa diversidade tanto física quanto sexual, não era bem vista.

Como você percebe, agora, o mercado de A&B em relação aos corpos da diversidade presentes no momento?

Felizmente o cenário é outro. Temos uma oportunidade maior de assumir nossas escolhas, sejam elas pessoais, políticas, sexuais e profissionais, sem o receio de exclusão do meio da coquetelaria. O público também mudou, a coquetelaria mostrou faces mais acessíveis ao grande público, coisa que antes era restrita a elite. Um exemplo é achar gin tônica em quase todos os bares por mais simples que seja o estabelecimento. A mídia com toda certeza ajudou nessa popularização da coquetelaria, assim como  os representantes de marcas mais “parecidos” com o brasileiro real, sem toda a glamourização que havia antes. Esses profissionais com destaque, e com um estilo mais underground, aproxima o público e encoraja outros do meio a se posicionarem.

Como foi a sua vivência no bares do início da sua carreira até o momento?

Olha, ser mulher na sociedade já é bem complicado, agora imagina ser mulher e ser lésbica ou bi… Eu sai de uma cidade interiorana, super conservadora, então desde cedo enfrentei preconceito. Quando eu cheguei aqui na ilha por exemplo, eu não me encaixava nas casas que eram referência na época, mas queria fazer parte, adquirir aquele aprendizado. Eu tenho um estilo meio incomum pras casas de alto padrão daqui da ilha, sou gordinha, cabelo bem curto, tatuada. Já perdi job por não entrar no uniforme da empresa, já ouvi de colegas que eu não teria agilidade por ser baixinha ou, que eu não atrairia clientes por não ser “gostosa”. Felizmente nunca deixei isso me abater e tive a oportunidade de trabalhar com profissionais do meio LGBT, que me incentivaram de forma diferenciada, por saber como é estar nesse meio a mais tempo, e que me moldaram na alta coquetelaria e no trato com o cliente final. Óbvio que ainda existem locais extremamente conservadores mas eu não me encaixo mais neles, e nem preciso, pois meu trabalho, minhas cartas, meu atendimento, fazem parte da Carol como ser individual, e não tem como eu ignorar isso.

Você sofreu algum tipo de abuso, rejeição ou preconceito por parte de colegas profissionais ou superiores imediatos? E quanto ao público consumidor?

Eu vim do interior, então já vim preparada pra enfrentar desafios. Aqui na ilha, dependendo da região, ainda existe sim essa exclusão de LGBTs ou pessoas que não sigam um padrão aceito pela elite ou classe média alta. Já me foi sugerido perder peso, deixar o cabelo crescer, ser mais feminina. Acredito que existe uma cultura do estupro enraizada que faz os homens acreditarem que mulher no bar é sinônimo de sexo fácil, de disponibilidade, onde a barmaid antes de boa profissional precisa ser bonita, maquiada ou não atrai clientes. Eu vendo meu trabalho, minha personalidade e isso fala por si.

Já fui assediada por chefe de bar, já ouvi muita piadinha de colega sobre ser ou não ser lésbica. Uma vez, um cliente pediu para que um colega o atendesse pois eu “não aparentava saber fazer o drink” , por causa do meu estilo e opção, claramente foi preconceito.

Como você reage em geral à situações de exclusão ou distanciamento por ser uma pessoa diferente do seu meio em geral?

Eu sempre lidei com o público. Lecionei durante alguns anos realfabetizando crianças em área de risco, esse foi meu primeiro grande público, onde eu precisava atuar com muita responsabilidade. No bar eu não me sinto acuada, ou intimidada, levanto a cabeça, se preciso eu discuto e defendo meu ponto de vista com argumentos e fatos. Como a área de bar ainda é bem masculina, já tive que aturar chefe abusivo, colega com piadinhas diárias e já fui excluída até de comer algo melhor pois não fazia parte da panelinha no trabalho. Mas eu lido bem, confio no meu trabalho, no meu atendimento, ignoro esse tipo de fato, isso na real me motiva ainda mais a ser melhor, a estar entre os melhores. Inclusive quero agradecer a quem me criticou, me motivou a ler mais, fazer mais testes.

Conta pra gente um momento de vitória em que você pôde atuar contra alguma atitude abusiva, excludente ou preconceituosa contra pessoas (ou você) por pertencer à diversidade LGBTQIA+.

Eu fazia eventos com dois amigos, isso em 2003/2004 e num desses eventos um senhor pediu, já debochando de mim, que um homem o servisse pois ele não tomaria uma bebida feita por um sapatão. O que ele não sabia, era que os rapazes eram gays, e fizeram questão de deixar isso claro. No fim, quem acabou rindo fui eu, foi um tapa com luvas de pelica naquele cidadão.

Quais conselhos você daria para os nossos colegas de trabalho em relação ao tratamento de pessoas para evitar atos de desrespeito, crimes de preconceito, bullying e abusos contra qualquer tipo de pessoa?

O serviço de hospitalidade exige paciência, empatia, e muito treinamento e prática para funcionar com o respeito necessário. As empresas deveriam dar treinamentos sobre as questões de homofobia, gênero, racismo, gordofobia, entre outros. Ninguém nasce preconceituoso, então deve haver uma prática constante sobre esses temas, estamos num mundo onde ser diferente deve ser encarado como uma qualidade e não como um receio

Se você pudesse voltar no tempo, olhar pra si mesmo com 8 anos de idade, qual conselho você se daria pra encarar o seu futuro?

Não tenha medo. Estude sempre, e se espelhe em profissionais acessíveis, que sejam iguais em causas e posicionamentos. Se aceite, assuma quem você é, enfrente esse processo doloroso que depois disso, nada vai te parar. Continue sendo autêntica, use seu carisma, seu trabalho, sua postura, eles vão ditar sua excelência como profissional e vão te diferenciar como pessoa.

Qual coquetel clássico na história você escolheria para se homenagear com Orgulho e porquê?

Eu escolho o Hanky Panky da Ada Coleman, tanto pela Ada ter sido pioneira no bar, quanto pela força etílica desse coquetel feitos com spirits tão intensos, numa era onde os coquetéis eram classificamos como drinks masculinos ou femininos.

Qual a sua mensagem de inspiração para as próximas gerações de bartenders dos próximos 10 anos?

Se amém, se aceitem primeiro. Depois desse processo, trabalhe sua empatia, seu respeito ao próximo, você não precisar gostar ou concordar, só respeitar. . Lembre-se que cada ser indivíduo carrega suas histórias, suas dores, e que a empatia precisa ser praticada em todas as situações de trato e convivência. Tenha uma rede de apoio profissional, onde você e seus colegas partilhem os ideais de respeito a diversidade assim como você. Não tenha medo de mudar de opinião, de experimentar coisas novas. Ame, respeite, se posicione, muita gente pode te ver como inspiração e você nem sabe.

aprenda a receita

Café e Calor

50 ml cachaça envelhecida em amburana
25 ml café expresso
10 ml xarope simples
água tônica para completar

Em um copo longe drink, coloque gelo até completar, em seguida, adicione a cachaça, o café e o xarope e mexa delicadamente até misturar. Em seguida, complete com tônica e mexa novamente. Pegue um zest de laranja e espalhe bem o óleo essencial sob o drink.

Mês da Diversidade no Bar

O Mixology News realiza em 2021 o Mês da Diversidade no Bar para informar e valorizar a diversidade de bartenders durante o mês do Orgulho LGBTQIA+.

A campanha traz diversas entrevistas com bartenders no portal, lives diárias com influenciadores e autoridades na causa no instagram e um webinar no youtube com bartenders.

Idealizado pelo Mixology News em parceria com o bartender Thomas Souza e com apoio de Cointreau, o licor de laranja mais famoso do mundo, produzido na França e importado pela Interfood Importação.

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