Conheça sua bartender e sua receita – Camila Carlos (SP)

Camila Carlos trabalha no mundo de bar desde 2017 quando ingressou a equipe do Fitó Cozinha e teve a sorte de começar em um ambiente mais inclusivo formado apenas por mulheres e, nesse ano, dividir o tempo entre Fitó e Bar do Beco como barback.

Foi nesse bar que se apaixonou pela coquetelaria e teve a sorte de ser treinada por Juliana Braga, mulher lésbica que a ensinou a maioria das coisas que hoje ela sabe.

Participou do Guest das Minas, projeto que empodera mulheres na barra de bar. Passou também por bares como Bar dos Arcos e President – Jacquin, ambos chefiados por mulheres lésbicas: Luca Lima e Chula respectivamente. Em 2020 retornou ao Bar do Beco como chefe de bar e hoje está fazendo a sua primeira consultoria para o Bar Brooklyn, que deve inaugurar na rua Augusta até agosto.

Conheça o bartender

Como você percebia o mercado de A&B em relação à corpos da diversidade presentes em 2010?

Apesar de ainda viver no interior de São Paulo em 2010 e não ter acesso ao mundo muito mais diverso da metrópole e das barras da coquetelaria, a diferença que consigo perceber é a mesma que noto em todos os aspectos da sociedade: os corpos LGBTQI+ tem vivido uma longa luta para emergir da marginalidade e ocupar espaços que até então não nos eram permitidos. Podemos ver claramente como estamos avançando, essa matéria, por exemplo, deveria ser rara, senão impossível dez anos atrás.

Como você percebe, agora, o mercado de A&B em relação aos corpos da diversidade presentes no momento?

Consigo ver um pequeno espaço que se abre para a diversidade. Esse lugar vem sendo reivindicado aos poucos e a coquetelaria ainda é majoritariamente ocupada por homens e mulheres cis. Embora saibamos que existem inúmeras oportunidades de mercado, é verdade que essa qualificação não chega a todos os públicos, financeira e socialmente falando. Ainda existem barreiras a serem transpostas para que a comunidade LGBTQIA+ e negra possam ocupar o espaço da coquetelaria.

Como foi a sua vivência no bares do início da sua carreira até o momento?

Confesso que tive sorte em trabalhar com muitas mulheres até o momento, o que acaba deixando o lugar mais confortável e menos hostil, ainda assim já sofri uma série de micro agressões: clientes que se dirigiam ao meu colega homem cis enquanto era eu quem fazia o drink, já fui preterida em momento de receber promoções de trabalho por questões de gênero, apesar de que isso nunca tenha sido afirmado categoricamente, já trabalhei com homens que, por exemplo, queriam competir o mesmo lugar comigo em questão de força física, revelando a clássica masculinidade frágil, extensos casos do famoso “mansplaining”, clientes que simplesmente não respeitavam o fato de eu ser uma mulher lésbica bartender que poderia, sim, estar falando de whisky ou que me perguntavam se realmente eu sabia fazer uma caipirinha. De maneira indireta já presenciei casos de ameaça emocional e física à colegas mulheres e homens gays durante operação de trabalho, tanto por parte de clientes quanto de outros funcionários.

Você sofreu algum tipo de abuso, rejeição ou preconceito por parte de colegas profissionais ou superiores imediatos? E quanto ao público consumidor?

Talvez não diretamente, mas como disse acima, indiretamente sim, sempre existe aquele preconceito velado, não só dos patrões, funcionários colegas e cliente, como também das próprias marcas. Eu gostaria que quem tivesse lendo isso, inclusive as próprias marcas de destilado: quantos embaixadores negros, trans, travestis, lésbicas, gays, bissexuais, intersexuais, queer estão ocupando esses espaços de propaganda e prestígio que todo bartender “World Class” tem? Quem é a cara da marca de vocês? Eu tenho certeza que não é a nossa… Quantos rostos nossos aparecem nos comerciais de bebidas, nos patrocínios? Quem é a cara da vez? Provavelmente poucos de nós que estamos aqui hoje nessa entrevista – e isso é muito triste. Nós existimos e precisamos ocupar esses espaços no dia a dia, não só no mês do orgulho, queremos reconhecimento da nossa potência.

Como você reage em geral à situações de exclusão ou distanciamento por ser uma pessoa diferente do seu meio em geral?

Não quer falar comigo: não fale, se você é um imbecil preconceituoso é um favor que me faz não me dirigindo a palavra, eu que não vou perder noite de sono com homofóbico; skin care tá caro pra eu criar rugas, eles que lutem, porque nós já lutamos todos os dias pra aguentar eles.

Conta pra gente um momento de vitória em que você pôde atuar contra alguma atitude abusiva, excludente ou preconceituosa contra pessoas (ou você) por pertencer à diversidade LGBTQIA+.

Eu e outras mulheres funcionárias nos juntamos contra um colega de trabalho que com o tempo passou de machista escroto para auto denominado nazista. Depois de meses passando por olhares, comentários e toques constrangedores, começamos a compartilhar umas com as outras a sensação de insegurança com relação à ele.

Juntas conversamos com os donos do bar para que ele fosse repreendido e, mais tarde, demitido. Quando já havia ido embora achamos esquecido no armário dele um canivete com a suástica desenhada toscamente por ele mesmo. Que a deusa nos livre.

Quais conselhos você daria para os nossos colegas de trabalho em relação ao tratamento de pessoas para evitar atos de desrespeito, crimes de preconceito, bullying e abusos contra qualquer tipo de pessoa?

Um primeiro passo interessante é pesquisar. Entender um pouco sobre diversidade, conceituar e saber diferenciar identidade de gênero, orientação sexual, expressão de gênero e etc. para que a partir disso seja possível compreender quem e quão diversas são as pessoas com quem cruzamos no dia-a-dia. Nesse sentido, é importante saber ouvir e reconhecer ações que deixem as pessoas confortáveis.

Saber ouvir quem sabe mais do tema e reproduzir aquilo que garante dignidade, como por exemplo: tratar as pessoas pelo nome com o qual elas se apresentam, usar os pronomes adequados, respeitar as diferentes configurações de família, entre outros.

Se você pudesse voltar no tempo, olhar pra si mesmo com 8 anos de idade, qual conselho você se daria pra encarar o seu futuro?

Eu olharia fundo nos olhos daquela menina brava de cabelo cacheado e revolto e diria: talvez você fique frustrada, porque as coisas nem sempre vão seguir como você gostaria, certos planos vão mudar de cara, mas a vida vai apresentar novos caminhos e a coquetelaria vai te mostrar um novo sonho.

Importante: não deixe que os babacas que você vai conhecer durante a adolescência ditem a sua autoestima e seu sentido de auto importância nesse mundo.

Qual coquetel clássico na história você escolheria para se homenagear com Orgulho e porquê?

O Hanky Panky, claro. Bem clichê, mas é perfeito porque é um coquetel forte, feito por uma bartender mulher que fez para impressionar um cliente homem que desdenhava dela como profissional, coisa que continuamos passando até hoje.

Qual a sua mensagem de inspiração para as próximas gerações de bartenders dos próximos 10 anos?

Vai aparecer muita gente querendo desalinhar seus chakra, você vai ficar desacredito em si mesmo, mas seja você mesmo seu incenso, palo santo, oração, terapia e yoga. Essa vida de bar pode ser autodestrutiva, cuidado e respeito com o álcool.

aprenda a receita

Siná

50 ml de Bacardí Carta Blanca
25 ml de Cynar 70
25 ml de Noilly Pratt
2 dashes de Angostura Orange

Em um mixing glass com cubos de gelo mexa bem até gelar o copo. Retire o excesso de água e na sequência coloque todos os ingredientes acima, mexa novamente até gelar e então com um strainer coe para um copo baixo com cubos de gelo, aromatize com a casca de laranja.

Mês da Diversidade no Bar

O Mixology News realiza em 2021 o Mês da Diversidade no Bar para informar e valorizar a diversidade de bartenders durante o mês do Orgulho LGBTQIA+.

A campanha traz diversas entrevistas com bartenders no portal, lives diárias com influenciadores e autoridades na causa no instagram e um webinar no youtube com bartenders.

Idealizado pelo Mixology News em parceria com o bartender Thomas Souza e com apoio de Cointreau, o licor de laranja mais famoso do mundo, produzido na França e importado pela Interfood Importação.

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