Conheça os povos originários da Caatinga e suas principais bebidas 

Alguns anos atrás, estive no Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí.
Pra quem não sabe, esse local é o berço do maior parque de pinturas rupestres do mundo, são cerca de 700 sítios arqueológicos com pinturas de até 12 mil anos de idade. O primeiro vestígio humano – restos de carvão de fogueiras estruturadas – data de mais de 50 mil anos nessa região.

Pra mim, essa viagem mostrou o quanto somos ignorantes quanto a nossa cultura ancestral. Desde pequeno, aprendemos no colégio que a chegada dos portugueses foi o Marco Zero da nossa identidade nacional.

E ao fazer isso, ignoramos toda a cultura dos nossos povos originários, como a arte, agricultura, gastronomia, cultura etílica entre outros.Pra quem não se lembra das aulas de história, é bom relembrar a Carta de Pero Vaz de Caminha (que você pode ler na íntegra aqui) que descreveu como os índios Tupinambás se recusaram beber mais do vinho que lhes fora oferecido, já que estavam habituados ao gosto do cauim, mais suave e semelhante ao leite azedo.

Exatamente a descrição que temos dos primeiros viajantes da “Terra Brasil”.

“As mulheres é que fazem a bebida. Tomam as raízes de mandioca que fervem em grandes potes. As moças sen­tam-se ao pé e mastigam essas raízes”, assim des­creveu Hans Staden (em Viagens e Aventuras no Brasil, 1554) o preparo do cauim. “Índias moças”, segundo Gândavo (em Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos de Brasil, 1576). Ou “velhas”, segundo Marcgrave (em História Natural do Brasil, 1648).

E nessa descrição mais recente, fica evidente a importância cultural das bebidas, para os povos originários.

Nas festas, iam os da terra em peregrinação, de uma oca a outra, bebendo tudo que lhes fosse servido. Durante a noite inteira cantavam e dançavam entre fogueiras. Até a exaustão. “Bebem sem comer e comem sem be­ber”, escreveu Câmara Cascudo (História da Alimentação no Brasil, 1983).

Como vocês podem ver, são dezenas de livros e centenas de relatos, sobre a relação da cultura etílica dos mais de 10 milhões de índigenas que viviam no Brasil antes da chegada dos portugueses.

Pra mim, a eureka dessa descoberta surgiu em 2015 durante a realização dos 1° Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, que aconteceu em Palmas no Tocantins. Na ocasião, tive a oportunidade de conviver com algumas dezenas de povos indígenas, ainda remanescentes no nosso país.

É impressionante a capacidade de resiliência nessas tribos, que apesar de todo o terrorismo cultural, conseguem ainda manter forte sua “cultura originária”.

Casos como os dos índios Tremembé, Tabajara e Kariri. São só alguns dos exemplos de resiliência, mantendo viva a cultura do Cauim (bebida fermentada de mandioca), Mocororó (bebida fermentada de caju), Aluá (bebida fermentada de milho, e muitas outras. Sem esquecer das bebidas fermentadas de mel (proveniente das abelhas sem ferrão) e do Caxiri, presente em algumas regiões do Nordeste, porém mais comum na região Norte do país.“Com mel pode-se prepara licor, sem levá-lo ao fogo, apenas misturando-o com água da fonte e deixando-o ao relen­to”, observou Johan Nieuhof (em Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil, 1682).

Acredito que tudo isso ainda seja muito novo para a “coquetelaria brasileira”.
Mas é importante que todos os profissionais de bares e restaurantes se apropriem desse conhecimento, não só como marketing em sí mas como forma de resgatar a nossa verdadeira brasilidade.

Se a caipirinha já atingiu esse patamar, porque ainda temos receio de estender esse trabalho ao restante das nossas bebidas ancestrais?

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