A água é a única substância que existe em abundância na Terra nos três estados físicos: sólido, líquido e gasoso e até aqui você já sabia.
Além disso, é o componente majoritário de todos os seres vivos e, portanto, dos alimentos.
Se você já leu a Parte 1 desse texto, te dou as bençãos para seguir em frente, Senão, volta aqui e leia antes.
Nessa Parte 2 da matéria estuda mais a fundo as propriedades da água na coquetelaria.
A quantidade de água em um alimento é variável, ela pode ir de 60 a 70% em carnes e de até 90 a 96% nas frutas e verduras. A presença de água em quantidades adequadas e com localização definida é imprescindível nos alimentos para que tenham qualidade aceitável para o consumidor. Por exemplo, quem diria que um pepino possui por volta de 96% de água, o mesmo que uma melancia e bem próximo de uma abacaxi?Entretanto, o conteúdo de água dos alimentos faz com que eles sejam altamente perecíveis; por isso, são requeridos métodos de conservação quando se pretende armazená-los por longos períodos.
Por exemplo, sabemos que a carne é um alimento super perecível, como já vimos nos posts anteriores, além da refrigeração/congelamento, outro método de conservação da carne é a sua cura através de uma saturação em sal. Isso nada mais é do que uma desidratação osmótica onde “a água tende a migrar do meio menos concentrado para o mais concentrado”. E o meio mais concentrado é o que está com sal. Então a água que está na carne, sai da matriz do alimento para o meio com sal! Esse é o mesmo processo que acontece quando fazemos um óleo saccharum no bar, porém fazemos saturação com sacarose.
Outra característica da água é que, quando em estado sólido – vulgo gelo –, se adicionarmos sal, o seu ponto de fusão muda. O ponto de fusão da água pura é 0ºC, ou seja, nessa temperatura a água passa do estado líquido para o estado sólido. Só que a água não está pura, as moléculas do sal vão se ligar com a água. Essas ligações vão modificar a estrutura e orientação dos cristais de gelo diminuindo a temperatura de fusão do gelo para -5oC. Certeza que você já experimentou essa propriedade da água com alguma utilidade em um bar, duvida?
Imagine que você está em um evento e precisa resfriar rapidamente um cooler cheio de cervejas que estão em temperatura ambiente. O que você faz? Adiciona sal e álcool, certo? O que acontece é que, com a adição do sal, o gelo acaba derretendo mais rápido, pois a temperatura necessária para que ele esteja no estado sólido foi diminuída e, com isso, o gelo vai retirando o calor das latinhas. Na mudança de estado (sólido -> líquido) temos a absorção de calor, o que acaba esfriando a mistura como um todo.
O álcool tem um papel semelhante ao do sal pois ele também diminui o ponto de congelamento, porém diferentemente do sal, o resultado é mais duradouro. Por que adicionar os dois, posso adicionar só um? Quando a temperatura fica abaixo de -9oC, o sal perde um pouco do efeito, porém o álcool não. Só que o sal é bem mais acessível, então uma proporção de 1:1 de sal e álcool adicionados ao gelo já conseguem gelar o cooler rapidinho.Agora falando da água nos alimentos, como vimos antes, a água tem uma relação muito tênue com a vida útil dos alimentos e para compreender melhor o porquê dessa relação, vamos trazer alguns termos importantes. Eles são:
Teor de umidade, Água livre, Água ligada e Atividade de água
O teor de umidade de um alimento é a quantidade total de água que compõe o alimento. Dentro do valor total de água podemos ter dois “tipos” de água: a água livre e a água ligada. A água livre é a água que está disponível para sofrer reações de deterioração e a água ligada é a água mais interna, que não está disponível, pois encontra-se fortemente ligada sendo muito difícil retirá-la da matriz do alimento, diferentemente da água livre. Mas por que alguns alimentos com o mesmo teor de água diferem em perecibilidade? Essa pergunta é respondida com a última definição: a atividade de água. A atividade de água está diretamente ligada com o crescimento/atividade metabólica dos microrganismos e com as reações enzimáticas que causam/aceleram a deterioração.
Logo, um dos processos mais utilizados é a desidratação, onde retiramos a quantidade de água livre que desejamos para aumentar a durabilidade e estabilidade do alimento. A desidratação pode ser realizada com uso de adição de calor, como é o caso das estufas desidratadoras que utilizamos nos bares; pode ser realizada com baixas temperaturas, pelo processo de liofilização; ou, por desidratação osmótica, com saturação do meio para a perda de água.
Na tabela abaixo, temos uma lista de alimentos e sua faixa de atividade de água. Sabendo que a atividade de água dos alimentos está diretamente ligada à sua perecibilidade, podemos concluir que:
- Os alimentos com alta atividade de água possuem uma vida de prateleira curta e faz-se necessária a refrigeração;
- Os alimentos de umidade intermediária possuem uma vida de prateleira estável, sem ser necessária refrigeração;
- Os alimentos não-perecíveis têm baixíssima atividade de água (aw<0,3) e tem vida de prateleira longa sem ser necessária refrigeração.
Assim, concluímos que a alta atividade de água facilita o desenvolvimento de microrganismos que deterioram os alimentos.
Na próxima tabela, temos uma lista de microrganismos que causam doenças e a atividade de água máxima suportada por cada um. Com uma breve análise, percebemos que, a partir de 0,61 não temos risco de desenvolvimento de nenhum microrganismo, logo a faixa ideal de atividade de água para impedir que as reações de deterioração por ação microbiana é 0,6 – sendo 1,0 a atividade de água da água pura.
Mas de que forma esses conhecimentos podem nos auxiliar dentro do bar?
- Sabendo que um xarope rico (2:1) tem um prazo de validade maior do que um xarope simples (1:1), pois a maior parte das moléculas de água vão estar ligadas ao açúcar deixando-as menos suscetíveis as ações de deterioração (lembram da água livre e água ligada?);
- Sabendo que desidratamos os cítricos para que durem mais pois estamos retirando a água que serviria de meio para microrganismos, ação enzimática e etc.
- Sabendo a melhor forma de armazenar cada insumo de acordo com a atividade de água para estender seu tempo de prateleira;
- Sabendo que quando estamos fazendo um óleo saccharum estamos retirando a água da matriz do alimento para o meio saturado e que ele tem tempo de vida superior aos xaropes pois não possui adição de água, é apenas a água ligada aos compostos aromáticos do alimento.
Na próxima postagem iremos contextualizar um pouco sobre os carboidratos, quais suas funções dentro da gastronomia e como utilizá-los como adoçantes, espessantes, gelificantes e mais.
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