É gelo translúcido, é diluição de coquetel, é xarope pra lá e pra cá, é pre-batched drinks. Não tem jeito, a água está em quase todos os processos que fazemos dentro do bar. Mas será que estamos dando o devido valor para esse ingrediente? Leia a parte 1 desta matéria
Não é segredo algum que a química está presente em tudo que nos cerca, mas você conhece a química que faz parte do alimento que você utiliza no bar?
Voltemos um pouco para a salinha de aula. A cultura alimentar humana é muito ampla, englobando alimentos dos reinos vegetal, animal e mineral. Cada reino contribui com nutrientes para a nossa dieta.
Do Reino Vegetal consumimos sementes, talos, raízes, folhas, frutos, bulbos e tubérculos, onde adquirimos boa parte dos carboidratos e lipídios necessários para a dieta; do Reino Animal, utilizamos como alimentos algumas secreções, tecidos musculares, vísceras e outros subprodutos como ovos e mel, sendo uma das principais fontes de proteínas. Já a contribuição do Reino Mineral limita-se, para efeitos práticos, ao fornecimento de água e de certas substâncias minerais.
Ter um entendimento constitucional do alimento pode vir a contribuir fortemente para diversas melhorias, seja no aumento do tempo de validade de um preparo, na melhoria dos atributos sensoriais ou em formas de aproveitar aquele resíduo do alimento que seria descartado, mas pode gerar um novo insumo com qualidade e com valor agregado.
Agora, como podemos aproveitar os aprendizados da química para gerar insights e melhorar a nossa performance no trabalho no bar e na coquetelaria? Vamos descobrir?
Em primeiro lugar, precisamos ter em mente que praticamente nenhum alimento é formado de um único nutriente. A maioria dos alimentos consistem em misturas complexas, compostas majoritariamente de água, macro e micronutrientes.
Entre os macronutrientes podemos citar os carboidratos, proteínas e lipídeos. Em menor quantidade, temos os micronutrientes que são as vitaminas e minerais. Essas informações sobre a composição alimentar podemos encontrar nos rótulos de alimentos ou em tabelas de composição de alimentos, como a tabela TACO, da UNICAMP).
Para compreender melhor a composição dos alimentos, precisamos contextualizar os componentes alimentares mais “simples” e, posteriormente, os mais complexos. Sendo assim, iniciaremos pela água que é o ingrediente mais importante para a coquetelaria, e então eu pergunto a vocês:
O que seria da coquetelaria se não fosse o gelo?
O gelo é utilizado para a diluição, para diminuir a temperatura das bebidas e, também, para embelezá-lo. Sim! O gelo atua também como aspecto estético pois, certamente, vocês já viram que existe uma enorme diferença visual entre os gelos, né? Temos o gelo translúcido e o gelo “nuvem”. Ambos podem e são utilizados para resfriar os coquetéis, porém o gelo translúcido tem um apelo estético muito maior, quando em comparação com o gelo nuvem – fala sério, olha só esse gelo perfeito aqui e me diz se ele não é bonito demais.
O aspecto esbranquiçado do gelo nuvem é resultado da formação de bolhas durante o processo de congelamento.
Elas surgem devido a presença do oxigênio na água, fazendo com que o gás fique retido em pequenas bolhas. Já o gelo translúcido é feito com água quente, pois o aquecimento elimina as bolhas de ar. Então, segundo o livro “The Liquid Intelligence” de Dave Arnold, para fazer um gelo translúcido precisamos colocá-lo em um ambiente isolado, impedindo o máximo possível a entrada do oxigênio. Também segundo o livro, podemos obter ótimos resultados aplicando papel filme logo após transferir a água quente para a forma (ou cooler) de gelo.
Já a partir dos estudos e descoberta de Camper English, do Alcademics, a melhor maneira de se chegar no resultado perfeito é através do Congelamento Direcional (Directional Freezing) um método simples baseado na técnica de controlar a direção que a água é congelada.
Agora sendo óbvia, o gelo nada mais é do que um dos estados da água: o estado sólido. Mas você já parou pra pensar como era feito para fazer gelo antigamente? Antes da refrigeração mecânica alguns visionários como Frederic Tudor, começaram o negócio de coletar o gelo de lagos e rios congelados e transportar para as cidades em barcos ou em caminhonetes.
Mas como o gelo não derretia nesses barcos – sem refrigeração – durante o transporte?
Os compartimentos que transportavam o gelo retirado possuia uma até então sofisticada estrutura de placas metálicas com feno entre elas que garantia um ótimo isolamento térmico e a manutenção da temperatura original. Ou seja, a resposta está na relação entre a superfície do gelo e seu volume. A quantidade de gelo que derrete é proporcional a quanto calor é transferido para o gelo e, a quantidade de calor transferida é diretamente proporcional a superfície de contato do gelo exposta ao ambiente.
Maiores volumes de gelo derretem muito mais devagar do que pequenos volumes e isso foi o que fez com que o transporte de gelo fosse possível sem refrigeração.
E, também, é o que faz a tua Gin tônica não ficar aguada. Então: quanto maior a superfície de contato do gelo ou maior quantidade de gelo eu adicionar, menos derretimento eu vou ter e consequentemente, menos diluição. Considere também que variáveis podem mascarar os resultados, ou seja, se vc estiver num bar de praia no verão, terá uma “impressão diferente” do que num bar na serra no inverno.
Mas e os coquetéis “pre-batched” (ou preparados previamente)? Como saber a quantidade de água a ser adicionada para a diluição?
O método que eu achei mais interessante é o do Dave Arnold. Ele sugere que comecemos fazendo o coquetel que desejamos realizar o pré-batch. Adicionamos todos os ingredientes na mixing glass ou na coqueteleira e com uma balança de precisão vemos o peso do líquido e anotamos.
Depois, adicionar gelo e mexer ou bater como você monta normalmente o coquetel para diluir o coquetel e coar o líquido para um copo e pesar. A quantidade de água que você precisa adicionar no seu pré-batch é a diferença entre o peso total do coquetel e o peso original, antes da diluição. Se quiser acelerar o processo de resfriamento do seu preparado pre-batched, considere adicionar pedras de gelo ao invés de água. Assim que o gelo se diluir na bebida, ele vai baixar temperatura mais rápido.
E, claro, você pode sempre fazer o seu pré-batch sem diluição mas deve lembrar-se de mexer ou bater com gelo antes de serví-lo.
Apesar de parecer simples, a água é muito complexa, e um fator determinante na perecibilidade dos alimentos, continuaremos a falar sobre ela na postagem seguinte.
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