Coquetel que ficou famoso no Pandoro, em São Paulo, e conquistou os bares do país pode ter surgido décadas atrás numa festa de bacana no Rio de Janeiro e ganhou várias versões ao longo dos anos.

Servida no copo alto, com vodca, suco de caju, caju em calda, açúcar e gelo, a emblemática receita de caju amigo de Guilhermino Ribeiro dos Santos, do Pandoro, foi sucesso absoluto nos anos 1970. O coquetel, que fez fama em São Paulo e se espalhou Brasil afora, pode ter origem anterior e até mesmo ter sido uma bela jogada de marketing de publicitários à paisana que frequentavam o bar em seu horário de folga apenas por um fetiche.Tirando a poeira da prateleira e revirando publicações antigas, o Mixology News descobriu registros de que a bebida pode ter surgido um pouco antes, no Rio de Janeiro, e ganhado outras versões semelhantes pelo país na mesma época.

– O próprio Guilhermino nunca afirmou, para mim pelo menos, que era o criador do caju amigo – afirma Rogério Rabbits, acendendo um holofote importante sobre a história. – Outro fator curioso é que o Pandoro era ao lado da DPZ, que já foi uma das maiores agências de publicidade do país. Os publicitários viviam no bar, e tinha uma necessidade de algo icônico, como o Bellini do Harry´s Bar, de Veneza. Muitos jornalistas boêmios frequentavam o bar e faziam altas matérias, suponho que uma hora um meteu o louco, falou que era uma invenção do Pandoro, e isso virou uma verdade absoluta.

O jornal Estadão fez questão de reforçar a origem do drinque no Pandoro, em uma matéria publicada em 20 de outubro de 1989, sobre os bares tradicionais eleitos pela cidade, que trazia em destaque “os inventores do caju amigo”. A reportagem diz: “Mas seus barmen se orgulham mesmo é do caju amigo, caju com vodca mais um segredo (que não contam, é claro) inventado ali há muito tempo, hoje presente em praticamente todos os bares da cidade”. A reportagem, porém, não crava o ano da invenção.

Boêmios & bebidas, de Paulo Pinho, dá uma chacoalhada nesses ingredientes. O livro conta que o farrista e gente boa irretocável Carlinhos Niemeyer (foto abaixo) nunca reivindicou a autoria do caju amigo, nem precisava. Mais que um coquetel, ele teve o Baile do Caju Amigo, um baile de Carnaval que marcou época no Rio de Janeiro com esse nome e que surgiu por acaso. Carlinhos e seus amigos tinham como hábito chupar um caju para camuflar o cheiro do álcool depois de longas bebedeiras. A fruta, então, foi escolhida como base para o coquetel que serviria para dar um pileque em um gringo, em uma festa de bacanas, em 1954. Na lista, gente importante como Ginger Rogers. No copo, suco de caju, gim e açúcar. Simples assim.A festa foi um estouro e deu origem ao baile que estampou inúmeras colunas sociais da época, inspirou charge do Lan e rendeu muitos causos por aí. A receita chegou, inclusive, a ser reeditada em uma das edições da Feijoada do Amaral, no finado Gattopardo, em 2001. Embora Niemeyer tenha deitado na cama com a fama, quem batizou o drinque, porém, foi João Pacheco Chaves. Essa teria sido, então, a primeira versão do caju amigo.

Outro registro menos romântico é o da Enciclopédia de arte culinária Globo, de 1958. Em uma versão bem simples, a receita aparece com suco de caju açucarado e aguardente pura. O livro traz ainda instruções de como beber: “toma-se primeiro o caju e em seguida a aguardente”.Uma simpática e esquecida publicação de 1963, chamada A boa cozinha – coquetéis, aperitivos e bebidas, de Lígia Junqueira, traz 150 receitas pouco executadas em bares e lares, incluindo uma de caju amigo batido incrementado, que leva aguardente, gim, gotinhas de rum, uma colherinha de açúcar e gelo moído. O livro traz ainda uma nota da editora: “Se quiser, ponha no fundo do cálice uma castanha de caju, mas não é absolutamente necessário.”

Surpreso por ter se deparado com uma receita ancestral do caju amigo, Marco De la Roche, editor do Mixology News, levou para um guest bartender recente a receita exatamente como o livro da imagem ao lado pediu, gota por gota, e conta como foi a experiência:

Muitos ali conheciam o caju amigo, e foi impressionante o quanto o público estava interessado em provar a versão batizada “Caju Amigo em 1963”, muito menos pelo potencial de inovação e sabor, e mais pela possibilidade de provar uma parte da história que estava esquecida. Isso não faz com que o caju amigo que nós conhecemos hoje seja melhor ou pior, mas estamos apenas conseguindo preencher mais um tijolo na história da coquetelaria brasileira.

Já nos anos seguintes, a bebida volta a circular pelas páginas dos jornais cariocas, mais precisamente no, então, nobre Jornal do Brasil. Na coluna “Passarela”, de Gilda Chataignier, a receita é a mesma de Lígia Junqueira, com status de bebida queridinha das altas rodas sociais e coisa de fino trato.

Poucos anos depois, o 1º Festival Brasileiro da Batida movimentou São Paulo com 36 receitas diferentes de biricuticos de várias cidades do país, com o objetivo de promover a cachaça em ambientes mais empertigados, em um clube em Higienópolis. E não é que uma delas era uma versão de caju amigo? Feito com aguardente e com a própria fruta, mas exigindo um tempo de preparo impraticável para os bares, o que pode explicar o esquecimento da receita.

“Esta receita é para dose individual.
1 cajú maduro cortado em pedaços.
Espremer num pilãozinho de madeira com açúcar à vontade
Adicionar aguardente à vontade com gêlo picado
Deixar 10 a 15 minutos em descanso.
Antes de tomar misturar bem”

De lá para cá, surgiram várias versões do caju amigo e hoje há inúmeras releituras nos bares do país. Nos livros, o registro mais recente é de 1981, no Comidas de botequim, de Ana Judith de Carvalho. Essa é a primeira vez que a bebida aparece com leite condensado em sua composição e é servida coada. A receita leva três doses de aguardente, um copo de suco de caju, uma colher de leite condensado e duas colheres de sopa de gelo grosseiramente picadas. Nota do editor: “A pessoa bebe um gole e chupa um pouco da fruta que, entre outras qualidades, tem a propriedade de cortar o bafo…”.

À frente do Jiquitaia, Carolina Bastos, a Nina, sempre foi mais da caipirinha e não tinha qualquer relação com o caju amigo até resolver dar uma repaginada na carta do bar seis anos atrás. Foi quando surgiu a versão dela para o caju amigo, batido e com cachaça.

O pessoal do vinho que me perdoe, mas harmonização mais perfeita que o caju com a cachaça é difícil de encontrar na gastronomia. Na hora, pensei por que o caju amigo não tinha sido feito com cachaça? Foi aí que fiz minha versão – relembra ela – Quis fazer do jeito mais natural possível, sem suco industrializado. A gente trabalha com muito caju fresco, nós mesmos fazemos a compota, com suco de caju bem concentrado.

Nina ressalta que todos esses cuidados fazem do coquetel um dos mais vendidos do bar nos últimos anos.

Fui atrás de uma cachaça que fosse ficar legal com o caju. Como a compota tem bastante especiarias, peguei uma cachaça que fica descansando no Jequitibá rosa, que é bem neutra e não dá muito sabor. Para não ficar muito doce, entrei com um limão para dar uma nota de acidez. Não queria que fosse uma sobremesa. E fiz batido. Em poucos meses virou um dos coquetéis mais vendidos da casa.

Fato é que a combinação de ingredientes que compõem o Caju Amigo já pairava no ar antes de Guilhermino chegar no Pandoro. Até já existia um drinque com caju por lá, aliás, feito pelo barman Fumaça, mas era feito com gim e caju fresco. A grande sacada dele e de sua trupe foi encontrar a receita perfeita, usar a vodca mais aceita na época, acrescentar o tal do segredinho – que ele nunca revelou – e estar na hora certa no momento certo. Touché! O drinque foi um sucesso e fez história.

Na década de 1970, a cachaça não chegava publicamente nos bares, porque beber cachaça era ser pinguço. Então, os caras pegaram a batida e construíram a bebida, adicionando vodca, depois gim – diz Rabbits – Mas é claro que o caju amigo já existia bem antes de tudo isso. Sempre foi uma batida feita com cachaça, sem leite condensado, mas é uma batida.

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