A alegoria mórbida sobre 2017 ou 2017 não será melhor.
Jademar era impotente e por isso ia ao puteiro todo final de semana. Descia a Augusta a pé, entrava no Blue Night e era recebido com a deferência de um convidado VIP. Todas as meninas de lá já sabiam o que ele queria: subia ao quarto, se despia e deitava na cama.
Então a puta (podia ser qualquer uma, ele não tinha preferência) montava em seu pau murcho e inerte e se esfregava nele até gozar. Se ela não gozasse, ele não pagava. Era um acordo. Depois ele descia e ficava um tempão no bar tomando uísque nacional cowboy e conversando com qualquer um que quisesse ouvir que São Paulo de madrugada era uma cidade cheia de “luzes, putas e filhos da puta”.
Mas é claro que Jademar não era só isso. Apesar das bebidas duvidosas que engolia no puteiro, ele tinha um gosto apurado para álcool e seguia um ritual antes de partir para sua romaria de fim de semana. Colecionava bebidas em casa. Portanto, antes de sair, seguia sempre essa ordem de drinques: negroni, old fashioned, sazerac. Era o suficiente para acalmar seus nervos.
Era muito comum o dia amanhecer e as putas terem que acordar Jademar, que dormia sem cerimônias nos sofás de couro vermelho espalhados pelo salão. Às vezes ele ficava por lá mesmo, dormindo em um dos quartos. Quando despertava, dava uma grana a mais pro estabelecimento e ia embora. Ninguém perguntava de onde vinha ou para onde ia. Não interessava. Sabiam que no final de semana seguinte ele estaria lá novamente.
Certa vez, depois de seu habitual programa, Jademar abriu sua mochila e retirou de dentro dela um livro fino.
“Celeste, está vendo este livro?”.
“O que foi, Jademar, vai ler pra mim agora? Ou quer que eu leia pra você?”.
“Não seja estúpida. Este livro narra a história de um sujeito que foi emasculado por um cachorro quando era criança. O garoto é atacado por um cão feroz quando está tomando banho no vestiário da escola, depois de uma partida de futebol. O cachorro arranca o pau dele. Ele é operado, segue sua vida, mas sem o pênis”.
“Que horror, por que você está me contando essas coisas?”.
“Você não entende, não é? Este sujeito do livro tem um motivo muito mais digno do que eu pra não poder trepar. Ele tem um motivo respeitável, uma razão que eu posso compreender. Uma guilhotina o atingiu diretamente no centro de sua virilidade. Ele não é obrigado a conviver todos os dias com a prova física de sua incapacidade”.
“O que você está querendo dizer?”.
“Que a literatura é maior que a vida, Celeste”. A prostituta ainda teve tempo de reparar nos nomes do livro e do autor – Os filhotes, de Mario Vargas Llosa.
Como era de se esperar, Jademar deixou seu nome com a gerência do puteiro, confirmando assim que passaria o réveillon lá. Não seria a primeira vez e, afinal de contas, por que diabos não passar também a data festiva fazendo o que havia feito o ano inteiro? No dia 31 de dezembro, ele se arrumou e tomou seus três drinques habituais. No entanto, na hora de sair, alguma coisa se rompeu dentro dele. Uma decisão súbita, uma corrente de energia, como se mil formigas elétricas estivessem correndo pelo seu corpo.
Organizou todos os mínimos detalhes com a obstinação dos fanáticos. Tomou alguns analgésicos, afiou seu facão de cozinha e ligou para o número de emergência dizendo que sofrera um terrível acidente e precisava de ajuda para ir ao hospital. Deitou sobre um lençol branco recém-lavado e lambuzou todo o pau de xilocaina. Com a mão direita firmemente agarrada ao cabo de madeira do facão, teve que desferir três golpes contra seu flácido órgão genital antes de extirpá-lo completamente do resto do corpo.Quando o resgate chegou, Jademar estava inconsciente e havia perdido muito sangue. Os enfermeiros rapidamente levaram-no dali. Estavam acostumados com as situações mais inusitadas. O que os espantou, na verdade, foi o caminho até o pronto-socorro: enquanto a sirene rasgava a noite, uma porção de cães alucinados corriam latindo atrás da ambulância.
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