A primeira imagem seria da neve. Você observando da janela do seu apartamento uma cidade branquinha – como se estivesse coberta por um fino véu de noiva.  Na sua mão, acho, um copo de destilado. Conhaque ou uísque. Também posso ver um piano aberto. É possível que você tivesse tocando algo sentimental antes do filme começar.  Um close no relógio. Não falta muito para meia-noite.  E estamos na véspera do natal.Assim seria se nevasse em São Paulo, se o apartamento tivesse uma janela que não desse de cara com um muro; se você não tivesse bebido o seu último trago há duas horas ou se um piano coubesse naquele apartamento minúsculo. Não, isso não é um filme.

Então, entediado, você resolve procurar um bar. Não que tenha muita esperança de encontrar alguma coisa aberta.  Nada disso. Mas o fato de procurar já põe a sua cabeça em outra frequência. Já não pensa mais no ano que passou, já não tem que fazer a velha matemática de perdas e ganhos, não tem que esperar o celular tocar ou ligar pra ela. Ligar pra ela, definitivamente, não. Você não tem que fazer nada. Só tem que andar e procurar um bar.1Passa por ruas repetidas. Ruas que, você sabe, não escondem nenhum balcão. Mas, depois de dar tantas voltas, depois de quebrar em tantas esquinas, encontra uma portinha. E, atrás dessa portinha, um bar – que você jura ser novidade no bairro. Que dia para uma inauguração!

Como sempre faz quando pisa em um bar, entra com o pé direito. Tem suas superstições. E nunca se arrependeu em segui-las. Não tem emoção maior do que entrar em um bar pela primeira vez. Um lugar ainda virgem. Um lugar que ainda não tem suas marcas, um lugar onde ninguém te conhece pelo nome, onde ninguém sabe qual é o seu drink preferido, um lugar onde vão te perguntar de tudo. E tudo será inédito. Tudo será uma descoberta.

E você? Você pode ser quem você quiser. Pode começar do zero. Deixar pra trás os fracassos do ano velho e começar de novo. Entrar em um bar pela primeira vez é um nascimento.

Então, aquele bar, aquele bar que você encontrou aberto na véspera de natal, se transforma em um presépio. Pelo menos na sua cabeça. Você se encosta no balcão e se sente aninhado, abraçado, tal qual um bebê na manjedoura.

Os reis magos aparecem atrás do balcão. O primeiro traz o gim; o segundo, o vermute; e o terceiro, o Campari.

“Estava te esperando”, diz o barman. “É a melhor metáfora, meu amigo. Não tem melhor maneira de aprender uma lição do que tomar um negroni. O segredo do universo está contido aí dentro”, conta o barman.

Então, você mergulha naquele negroni. Mergulha no casamento perfeito daqueles 3 destilados, na simbiose do gin com o vermute e com o Campari. E tanta perfeição resulta em algo amargo. Amargo!negroni

E o amargo também pode ser bom.

E o barman traz outros drinks. Variações daquele primeiro negroni. No primeiro, troca o gin pelo uísque; o próximo, tem Cynar no lugar do vermute; na sequência, foi-se o uísque e chegou um pisco; depois, troca-se o pisco pelo mezcal; e ainda teve um Fernet no lugar de alguma coisa e…

E o barman diz: “ Sempre vai ser amargo, amigo. O que não significa que não possa ser bom, bonito, venturoso, melhor do que já foi, maravilhosamente intenso e feliz”.

Claro, você não é burro e entende o recado. Sua vida não é tão ruim. Tem lá seu amargor, mas é, justamente, esse amargo que faz de você alguém especial.

Você se sente bem e quer dividir essa descoberta com os outros.  Pede outra coisa amarga. Deseja um feliz natal para o barman, para os reis magos e até para as vaquinhas de presépio.  Dá outro gole e…

Pisca.

E quando se dá conta está de novo em sua casa. Então, você pega o celular e liga pra ela. Três toques. Ela atende e diz que está te esperando para a ceia.

Você sai. Estranho. Está nevando em São Paulo.    2

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