“Querido bartender, seja bem vindo à esta barra.
Por muitos anos, cuidei dela até você chegar.
E acredite, dei o meu melhor. Você também dará, não se preocupe.
Mas antes de ir queria te contar algumas coisas se é que me permite.

Os melhores bartenders que conheci trabalharam por muito anos no mesmo balcão.
Eles diziam que estavam pensando no longo prazo. Eles estavam certos.
Conheceram os melhores clientes, fizeram história atrás de um balcão. 
old bartender1Na pressa de me posicionar, na urgência de ser reconhecido, na necessidade da autoafirmação de que nunca jamais haveria alguém mais rápido e criativo do que eu…. não aprendi nada.
É verdade, não aprendi. No máximo, decorei receitas, preciso confessar.
Estava ocupado demais ensinando. Ocupado demais fingindo que sabia.
E o tempo me ensinou que no fim das coisas, a única pessoa que não aprende é aquela que já sabe.

Ah, por favor, não esqueça de mencionar aos seus clientes que estivemos um dia por aqui.
Essa é uma das coisas que mais lamento não ter prestado a devida atenção quando era jovem.
Perdi tanto tempo tentando ser o revolucionário do balcão que não me lembro quais foram os bartenders que trabalharam aqui antes de mim durante doze anos.

Certa vez me perguntaram quem era minha inspiração na profissão e foi aí que percebi, todos meus Mestres não me conheciam e nem eu a eles. Meus Mestres eram o que me falavam sobre eles.
Pouco tempo atrás meu Mestre esteve nesta cidade para uma palestra. Foi quase como um sonho para mim vê-lo executar com maestria o hardshake exato, o pouring perfeito, infelizmente, menos aquele momento em que ele não quis tirar uma foto junto comigo.
old bartender3Eu sei que existe hoje aquele jovem bartender inglês fazendo gelos incríveis, que demoram oito minutos para diluir os 14,3% necessários para o equilíbrio perfeito do Boulevardier com notas do vermute artesanal envelhecido em barris de carvalho usados em Jerez com chips de três madeiras recém descobertas na taiga, bioma predominantemente nórdico.
Se eu sirvo aqui, infelizmente não. Eu não sei fazer aquela receita.

Desculpe, mas ainda posso te servir um Negroni ou um Daiquiri delicioso. Você aceita?

Meu caro bartender, você pode não acreditar, mas também acompanhei as modas que conquistaram os bares deste país nos últimos quinze anos. Todas elas. Ano após ano.
Eu mesmo, anos atrás fui responsável por uma série de novidades nos balcões.
Foram tantas que eu nem me lembro. Hoje já não conto mais, só espero passar. E já passou.

Hoje gosto mesmo é de sentar no balcão do Jaber e do Welinton ali na rua da Mata e relembrar com eles aquele nosso último porre antes de casarmos, doze anos atrás. Ainda bem que casamos, ainda bem!
old bartender2Meu amigo, volte sempre, é um prazer conversar com você. Vou te aguardar por aqui.
Mas só um último pedido, por gentileza. Não me olhe novamente como daquela última vez que veio com seu colega, em que te servi carinhosamente um Manhattan, mas não tinha aquela cereja maraschino que eu ví na sua última matéria da revista. O patrão não liberou pra comprar, fazer o quê.

Mas venha logo, talvez esse balcão já não me tenha mais por muito tempo. Chegou minha vez.
Cumprir o seu papel é saber ver chegar a hora de ser esquecido, abrir um sorriso e pedir outro Martini.
O tempo passa rápido. Para todos nós.”

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