Acidez está presente em 95% dos coquetéis que preparamos todos os dias e ainda sabemos tão pouco sobre os ácidos e seus diferente tipos.

Nós utilizamos ácidos na coquetelaria diariamente, certo? Mas você sabe em quais insumos eles estão presentes? Sabe como utilizá-los da forma correta? Ainda não? Então vem comigo que agora eu vou compartilhar aqui toda   minha palestra de ácidos que rolou no Bar Convent São Paulo 2022.

Antes de começar a falar sobre ácidos, a gente precisa contextualizar sobre o que eles são. Bom, na química nós temos mais de uma definição proposta sobre o que são os ácidos, mas elas são totalmente irrelevantes quando pensamos do nosso ponto de vista: o do bartender. Então, pra simplificar, vamos deixar a definição de ácido como toda a solução cuja a medida de pH é inferior a 7.

Onde pH=7 corresponde a um pH neutro, como o pH da água pura e acima de 8 temos um pH alcalino/básico. A diferença em uma escala de pH pode parecer muito pequena, mas ela é uma escala exponencial, onde o suco de limão é pelo menos 10x mais ácido que o suco de laranja, como vemos na escala abaixo.

A acidez, como já vimos no post anterior sobre Gosto, sabor, percepção e aceitação é um dos seis gostos básicos em alimentos. Mas por que eu estou falando novamente sobre os gostos?

Por que isso é muito importante sabermos isso para compreendermos melhor a aceitação e a percepção sobre os alimentos. Para quem se interessa por neurogastronomia como eu, essa é uma importante ferramenta para compreender o que é o foodpairing.

Gosto ácido

O gosto ácido é percebido na boca através papilas gustativas, que recebem a informação química sobre os diferentes ácidos nos alimentos. Os ácidos diferentemente dos alimentos alcalinos, tem a capacidade de estimular a salivação além de comunicar-se com os demais gostos realçando, equilibrando ou reduzindo a percepção dos mesmos.

Por exemplo, o que fazemos quando temos um coquetel sour muito doce? O equilibramos colocando mais limão! Pois conforme o diagrama abaixo retirado do belo livro “The Art and Science of foodpairing”: a acidez equilibra o dulçor.

Em dado momento a gente acaba se perguntando: mas onde eu encontro ácidos na coquetelaria que não seja no limão? Bom, em basicamente tudo. Além de estarem presentes naturalmente em frutas e demais alimentos, eles também estão presentes nas bebidas, na albumina, na água tônica… Eles são adicionados aos alimentos na forma de Aditivos Alimentares.

Aditivo alimentar é todo o ingrediente que é adicionado intencionalmente a um alimento sem o propósito de nutrir, mas com o objetivo de alterar as características físicas, químicas, biológicas e/ou sensoriais. (Ver RDC 540) Os aditivos podem ser adicionados aos alimentos para alterar a cor (corantes), auxiliar na emulsificação (goma xantana), trazer mais acidez (acidulantes), entre outras funções. Olha só essa tabela abaixo que classifica os aditivos alimentares.

Os ácidos orgânicos são adicionados aos alimentos por diferentes motivos, mas os principais são para trazer mais acidez (acidulantes) e para conservar os alimentos (conservante). Um bom exemplo de adição de ácidos para trazer acidez ao alimento é o nosso uso do limão, para o equilíbrio do coquetel e, como conservante, podemos citar as conservas, que são feitas com vinagre cujo ácido principal é o ácido acético.

Diferentemente do que muitos acreditam, não existe diferença entre os ácidos in natura e dos ácidos obtidos “de forma artificial”, ambos são constituídos dos mesmos elementos químicos, arranjados da mesma forma e com gosto e sabor idênticos.

Os acidulantes são produtos químicos e, de acordo com a Legislação Brasileira, todos os produtos químicos classificados como perigosos e também os produtos cujos usos previstos ou recomendados possam dar origem a riscos a segurança e saúde dos trabalhadores devem ter a Ficha de Informação de Segurança do Produto Químico (FISPQ), que nos informa sobre o manuseio, armazenamento, descarte e possíveis riscos de manuseios dos produtos.

Eu sugiro que vocês sempre coloquem no tio Google o nome do produto, laboratório em que ele é produzido e a sigla FISPQ. Conhecimento nunca é demais e saber com o que estamos manuseando, é fundamental.

Se alguém chegou a ir pesquisar sobre isso, deve ter visto que, para armazenar os ácidos, os recipientes devem ser feitos de vidro e o manuseio deles é feito com luvas de proteção. Então eu questiono, se no laboratório devemos manusear até o ácido cítrico com auxílio de luvas, porque seria diferente no bar? Ou seja, cuidem da saúde das suas mãos e melhorem o produto ácido usando os ácidos no momento do manuseio deles, principalmente na hora da extração diária dos sucos.

Aqui nesta imagem coloquei um exemplo de FISPQ do ácido cítrico, onde vemos as principais recomendações de uso, palavra de advertência, frases de precaução, possíveis danos ao meio ambiente por descarte errado e muitos outros, afinal essa é apenas a primeira página das sete páginas totais.

Os ácidos alimentares não oferecem tantos riscos, mas é essencial sabermos com o que estamos mexendo e quais os perigos envolvidos, caso existam.

Dito isso, vamos a parte que nos interessa: a parte sensorial. Vocês sabem como a acidez deve ser analisada?

Bom, ela é analisada de acordo com o tempo de percepção, se é imediato ou tardia; pela intensidade, fraca ou forte; e, pela duração da percepção, se é rápida ou persistente. Vou propor o seguinte, pegue um limão tahiti, um vinagre (independente da marca ou a matéria prima), uma maçã verde e um iogurte natural. Se vocês provarem esses alimentos vocês irão identificar a presença dos ácidos cítrico, acético, málico e láctico, respectivamente, porém a percepção de cada um será diferente.

Enquanto o ácido cítrico tem uma percepção imediata, a acidez do ácido málico demora um pouco mais a ser percebida e, também, tem maior duração na boca. Já o ácido láctico é mais sutil, tem um leve toque salino e uma percepção também tardia.

O ácido acético (CH3COOH) é o ácido orgânico que confere a acidez do vinagre. Na indústria de alimentos ele é conhecido como Acidulante INS 260. Ele possui gosto forte, percepção tardia e sabor duradouro. É muito utilizado como conservante por ser eficiente na inibição da proliferação microbiana. Na coquetelaria ele é um ingrediente fundamental para a produção de shrubs, sendo um ótimo meio de trazer acidez ao coquetel. Para fazer o shrub pense em utilizar um vinagre de matéria prima condizente com o sabor do shrub.

O ácido cítrico (C6H8O7) é o principal ácido no limão e em todas frutas cítricas. Ele possui percepção imediata e acentuada, porém com pouca persistência. No bar o encontramos em diversos lugares como na albumina desidratada, águas tônicas e no Martini Bianco, por exemplo. Se vocês olharem nos ingredientes, ele vai estar lá como Acidulante INS 330 ou até com seu nome.

 

Apesar de ser o principal ácido do limão, ele divide espaço com o ácido málico e succínico. Então existem três receitas possíveis para sua utilização: uma solução de ácido cítrico, fake lime juice e o super juice, receita do Nickle Morris que descobri graças a uma postagem do Pilho Verman.O ácido láctico (C3H6O3) está presente naturalmente em iogurtes, coalhadas e leites fermentados. Conhecido na indústria de alimentos como acidulante INS 270. Esse ácido é produzido naturalmente nos seres humanos pois ele é um subproduto do metabolismo anaeróbico, no qual o corpo produz energia sem usar oxigênio. Sabe aquela queimaçãozinha depois de um treino intenso? É o ácido láctico entre as fibras musculares causando aquela sensação dolorosa – e pra alguns gostosa.

Na coquetelaria adicionar algumas gotas de solução de ácido láctico pode trazer uma textura cremosa sem adicionar densidade de produtos lácteos ou nozes.

O ácido málico (C4H6O5) está presente em algumas frutas como a maçã, pêra, caqui… É um ácido forte, com percepção tardia e duradoura. Devido a sua percepção tardia e duradoura, possui um forte potencial como realçador de sabores. Ele é uma ótima adição para realçar mais o sabor e conservar melhor os xaropes e preparos a base de fruta. Para essa função é ideal utilizar a forma em pó. Quanto a adição em coquetéis, sempre gotas.

O ácido tartárico (C4H6O6) presente em uvas, damascos e bananas, o ácido tartárico possui percepção imediata e acentuada, assim como o ácido cítrico. Na indústria de alimentos não tem uma larga escala de utilização sendo mais utilizado em produtos a base de uva. É um ácido mais caro e não tão eficaz na inibição do crescimento microbiano. Diferentemente dos demais ácidos, sugere-se a utilização de um mix de ácidos, como a solução ácida champagne.

O ácido ascórbico (C6H8O6) é um velho conhecido de todos sob o nome de Vitamina C. Encontrado em laranjas, acerolas e kiwi é um ácido que não possui muito sabor e acidez. Ele é um ótimo antioxidante, sendo perfeito para preservar ingredientes frágeis que são danificados pelo contato com o oxigênio. Como não possui muita acidez não se torna o ideal para equilibrar o coquetel, seus usos ficam para a adição em frutas cortadas, evitar a oxidação de sucos e xaropes.

Um ácido que é muito esquecido é o ácido carbônico (H2CO3), o principal produto da reação de adição de água (H2O) e gás carbônico (CO2). Quando tu vai gaseificar a tua soda numa Preshh, é essa reação que tá acontecendo ali dentro sob muita pressão! E é pela formação desse ácido que a gente perde um pouco do dulçor no líquido. Onde mais uma vez voltamos para a compreensão dos gostos básicos, pois o ácido equilibra o doce.

Essa foi a minha fala no primeiro dia do Bar Convent São Paulo 2022, pra quem quiser dar uma olhada no material completo e nas receitas, fica aqui o link.

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