A partida súbita do Mestre Derivan revive um tema delicado nos últimos anos na coquetelaria. Como fazer para incluir o Rabo de Galo na IBA sem o interesse da Associação Brasileira em apoiar a ação?
Texto publicado por Dirley Fernandes, jornalista e fundador do site Devotos da Cachaça.
A internacionalização do Rabo de Galo, o drinque brasileiro à base de cachaça e Cinzano surgido nas biroscas paulistanas e hoje presença nas melhores cartas de coquetéis do país, seria um passo importante para levar o nosso destilado a novos públicos, balcões e países. Mas a campanha traçada pelo Mestre Derivan, um dos decanos da coquetelaria brasileira, para que isso se torne realidade encontrou uma barreira de difícil transposição: a Associação Brasileira de Bartenders (ABB).
Sem o apoio da associação, o Rabo de Galo tem chances reduzidas de dar um passo decisivo para a internacionalização: ser incluído na carta da International Bartender Association (IBA).A carta da IBA é o livro-guia dos bartenders de todo o mundo. Apenas 77 coquetéis são reconhecidos e podem ser preparados na competição oficial da associação, a World Cocktail Competition. Mais que isso, quando um coquetel é incluído na carta passa a constar do repertório de bartenders de nível internacional e, claro, tem chances elevadas de estar nas melhores cartas de bebidas do planeta.
Mestre Derivan, que já foi vice-presidente da IBA e é um dos responsáveis por incluir a Caipirinha na carta da IBA, desde meados da década passada vem realizando uma campanha pela inclusão do Rabo de Galo na lista. A iniciativa angariou apoio entusiástico de todos os segmentos ligados à cachaça. Mas a proposta segue batendo na trave.
“Nós já mandamos todo o material para a IBA. Já conversamos com integrantes da diretoria. Sempre fomos bem recebidos. Todos se mostram abertos”, conta Derivan. “Mas, ainda que eu tenha sido diretor, a IBA tem apenas um interlocutor oficial por país. E no Brasil, é a ABB. Se a ABB fizesse um gesto, mandasse uma carta, desse um aval para a campanha, conseguiríamos colocar um segundo drinque brasileiro na carta. Só depende deles”.
Porém, não há chance desse apoio acontecer. Quem afirma isso taxativamente é o bartender Paulo Jacovos, tesoureiro e principal administrador da ABB. “O Rabo de Galo não é um drinque nacional. Ele é consumido em São Paulo, no Rio e um pouco em Minas. No Nordeste ou no Sul, ninguém o conhece”, diz.
Jacovos afirma que Derivan “se apoderou do Rabo de Galo”, passando por cima da associação. “A ABB havia levado essa reivindicação do Rabo de Galo à IBA há muito tempo”, diz ele.
Derivan diz que não se incomoda se a ABB assumir a autoria do pedido de reconhecimento do Rabo de Galo. “Só eles podem conseguir. Podem puxar para eles. Eu vou ficar feliz”, diz o bartender, que já organizou três concursos nacionais de Rabo de Galo e é detentor do registro do certame por um prazo de dez anos.
“Não adianta. O pedido já foi recusado pela IBA”, descarta Jacovos, apesar de a ABB nunca ter divulgado essa recusa que o bartender afirma ser “oficial” e teria acontecido “quando o Ron Busman era presidente”.
Portanto, não há no horizonte futuro para o nosso Rabo de Galo na IBA.
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Rabo de Galo e Quentão
Derivan diz que tem tentado caminhos alternativos para a internacionalização do Rabo de Galo. O bartender e membro da Cúpula da Cachaça prepara para dezembro a quarta edição do Concurso Nacional de Rabo de Galo. No evento – condicionado, claro, pelas condições sanitárias – será relançado o copo próprio para o aperitivo criado pela Cinzano nos anos 1950.
Derivan aposta que, em breve, o coquetel estará na lista dos mais bebidos do mundo da revista Drinks International, importante referência para o setor de destilados. “Dá para chegar lá. Já tem bartenders fazendo Rabo de Galo em todos os continentes”, diz ele.
Jacovos, por sua vez, se queixa de Derivan ter “largado a ABB nessa questão do Rabo de Galo”. “Ele foi expulso da associação, inclusive”, diz.
Sem planos para o Rabo de Galo, o bartender diz que a aposta da diretoria da ABB é em outro drinque brasileiro: o quentão. “Esse sim é consumido em todo o país. A IBA exige que seja assim. O Rabo de Galo não é unanimidade”, finaliza.
Por enquanto, a cachaça segue representada apenas por um drinque na carta da IBA. “E o mezcal, que chegou agora, tem dois”, lamenta Derivan. A ABB se isenta de culpa nessa situação. “Os produtores de cachaça não se unem e não atuam no exterior. Fica difícil”, finaliza Jacovos.
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