Até onde é saudável para a empresa e para os funcionários um bartender que trabalha cansado, exausto e rende pouco?

Ainda fico surpreso quando me perguntam se eu durmo. Acontece sempre que respondo mensagens em horários improváveis, muito tempo depois de já ter deixado o local de trabalho, ou muito antes de chegar. A resposta pra pergunta? Tenho insônia. Quando não um sono muito leve, principalmente em períodos em que o trabalho está em fase crítica e o celular vira meu apoio de travesseiro.

Pensado nisso como vantagem? Mais tempo ao dia para produzir, certo? Tenho más notícias.

Não há como negar que existe uma entrega enorme de quem decide permanecer no nosso setor. Desde sempre você escuta que “esse é um trabalho para quem realmente ama”.

Conversas orgulhosas das poucas horas de sono, dias sem dormir, meses sem folga e falta de vida pessoal são frequentes e contam como proezas, vantagens na corrida pelo sucesso profissional.

Essa romantização do excesso de trabalho tem apoio na falsa ideia de que a produtividade é igual ao tempo de entrega ao trabalho mas não leva em conta que para produzir mais e melhor você precisa ter um bom desempenho e, para isso, você precisa estar bem.Segundo uma publicação do Instituto Alemão de Economia do Trabalho, de abril de 2017, a cada hora trabalhada você perde 6% da sua produtividade, ou seja, até o final das suas 8 horas de trabalho você já perdeu 42% do seu desempenho normal. Horas extras têm um impacto ainda maior, chegando a representar uma queda de 25% de desempenho a cada hora.

Isso se você tem uma vida equilibrada e conseguiu descansar entre um turno e outro. Considerando que não, o seu corpo já entende o começo de turno como hora extra e, de cara, seu rendimento já sofre perdas ainda maiores.

A pressão por oferecer a mesma produtividade com o desempenho afetado pelo cansaço acumulado é um dos responsáveis pelo aumento de diagnósticos da Síndrome de Esgotamento Profissional, também conhecida como Burnout, distúrbio com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico que, segundo o ranking da Stress Management Association, já atinge 30% dos trabalhadores brasileiros, nos colocando na vice liderança atrás somente do Japão.

Os principais sintomas, prevenção e tratamento para a síndrome podem ser conferidos no site do Ministério da Saúde.

Pensando em melhorar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, algumas empresas começaram a testar jornadas de trabalho alternativas. Entre essas empresas está a filial da Microsoft no Japão que, durante o mês de agosto de 2019, registrou um aumento de 40% em sua produtividade ao diminuir a jornada de trabalho sem alterar os salários.

Com rotina muito diferente das empresas de tecnologia, bares e restaurantes têm sua produção ligada ao consumo e não a solução de problemas, diminuir a jornada de trabalho não parece viável. A solução pode estar na arte de ter equipes de acordo com a sua demanda, mas quando o assunto é investir em mais pessoal o custo dessas contratações é sempre um tabu.

E quanto custamos?

Existem sites que fazem esse cálculo ou que fornecem tabelas que automatizam a conta – o FPAG, por exemplo, disponibiliza uma folha de pagamento online e gratuita. Por hora, é importante saber que custamos mais do que apenas o nosso salário e, dependendo da escolha de como a empresa paga seus encargos ao governo, esse valor pode ser de 40% a até 70% a mais que nosso salário.

No pior dos casos isso representa cerca de R$ 947,80  a mais por cada salário de R$ 1354,00 (até essa data, piso salarial de um bartender). E é justamente por isso que não é incomum encontrar brigadas menores do que o necessário na grande maioria dos estabelecimentos.

No entanto é preciso considerar o impacto de equipes reduzidas antes de decidir afogar seus coleguinhas em um atolo sem fim. Profissionais cansados rendem menos, adoecem mais, têm maiores chances de sofrer acidente de trabalho, e aumentam a rotatividade de profissionais, o famoso Turn Over. Ou seja, uma cilada com menor retorno financeiro, queda de qualidade constante, gastos com demissões e novos treinamentos.

Uma das formas de apontar a necessidade de aumentar sua brigada é identificando quanto a empresa perde quando a queda de desempenho por exaustão afeta o rendimento.Imaginem um bartender que vende R$ 8.000,00 por semana. Se ele atinge essa meta fazendo 4 horas extras durante esse período em um mês as horas extras representam perda de produtividade equivalente a R$ 2.666,67. Valor que cobriria o investimento em um novo funcionário, com uma sobra de R$ 364,87.

Embora a produtividade possa ser resumida como produção e venda em um determinado tempo, o desempenho requer que você analise mais variáveis. A conta acima corresponde a um cenário onde o faturamento é constante e linear, o que não acontece no mundo real. Muitas vezes um bar ou restaurante tem de 3 a 4 horas de pico de consumo, se sua equipe tem a maior queda de rendimento justamente nesse período a diferença pode ser maior.

Outras variáveis fazem diferença nas contas – quantas pessoas participam dessa produção, seu custo, o tempo de demora dos processos, a quantidade vendida por profissional em cada momento da operação, a sobrecarga sofrida por eles nesses momentos, entre outros – podem existir, inclusive, variáveis que são aplicáveis somente no seu estabelecimento, ligadas a sua missão e valores.

Se a conta não pareceu argumento suficiente para rever suas necessidade de equipe saiba que a Síndrome de Burnout é apenas um dos possíveis males atribuídos ao excesso de trabalho e sua romantização. Minha insônia veio em um pacote com outros, nada agradáveis, sintomas de depressão.

Outro custo cobrado por essa cultura tóxica é o abuso de álcool e drogas (muito mais perceptível) que levou, por exemplo, o bartender Diogo Sevilio, a tratamento. A pressão e o estresse somados ao desequilíbrio com cuidados pessoais também pode assustar com enfermidades mais repentinas, como o AVC que derrubou a, hoje treinadora da Diageo Bar Academy, Jacqueline Dias, em pleno turno de trabalho. Provas de que sucesso profissional não te deixa invulnerável.Já estamos bem, devidamente revisados, adaptando rotinas e culturas. Somos exemplos de quem criou casca de tanto receber pancada, orgulhosos disso, até sermos lembrados da própria humanidade. Que sirva de aviso para quem não está se sentindo bem, mas acha que falar sobre ou procurar ajuda vai te fazer menos profissional, não vai.

Nesse momento de volta à rotina, considere também que ainda temos um vírus à solta, que precisamos de mais tempo para rotinas de cuidado pessoal e distância das pessoas, mesmo com as proteções. Não caia no erro de ter buracos na equipe que te façam responsável pela falta de saúde dos seus e da comunidade.

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