Artigo especial sobre o legado do Mestre Derivan, publicado na 91ª edição da Revista Anpaq e escrita pelo cachaçologo Otávio Silva.
“Quantas negativas são necessárias para suplantar um propósito? Essa foi a pergunta que me veio à mente enquanto refletia sobre o legado do Mestre Derivan, um verdadeiro ícone da coquetelaria brasileira.
Lembrei-me de um episódio marcante relacionado à inclusão do Rabo de Galo na seleta lista de coquetéis
internacionais da prestigiada International Bartenders Association (IBA).
Na época, Paulo Jacovos, representante da ABB (entidade brasileira vinculada à IBA), afirmou em entrevista ao Mixology News: “Não adianta. O pedido já foi recusado pela IBA.” A justificativa? O Rabo de Galo era visto como um drink regional, restrito a algumas áreas do Brasil.Apesar de plausível, essa negativa não foi suficiente para desanimar Derivan. Ele, mais do que ninguém, sabia como transformar desafios em oportunidades. Com seu característico terno branco, olhar perspicaz e sorriso enigmático, Derivan simbolizava a união entre classe e boemia. Sua postura refletia reverência ao passado, aliada à ousadia de reinventá-lo.
Ao longo de cinco décadas atrás dos balcões, firmou-se como o maior divulgador da coquetelaria brasileira. Um dos momentos mais emblemáticos de sua carreira ocorreu em 1994, quando, como vice-presidente da ABB, conseguiu incluir a caipirinha na prestigiada lista de coquetéis da IBA. Esse feito elevou a coquetelaria brasileira ao cenário internacional.
Nos anos seguintes, Derivan continuou a abrir caminhos. Em 2018, ele iniciou o Campeonato de Rabo de Galo, um evento que rapidamente se consolidou como referência nacional. Com a entrada de Fábio Freitas em 2021, o campeonato ganhou novo fôlego, com etapas regionais e internacionais, ampliando sua visibilidade. A competição reuniu profissionais do bar de diversas regiões. Tive o prazer de participar de duas edições: a de 2022, no Rio de Janeiro, uma das últimas realizadas no Brasil antes de sua ida para Portugal, onde apresentei a releitura Caboclo, e a segunda, póstuma, em sua homenagem, durante o BCB de 2023, onde apresentei a releitura Curupira.
Esse movimento foi decisivo para transformar a percepção sobre o Rabo de Galo. De um drink popular e simples, passou a ser visto como uma expressão autêntica e sofisticada da cultura brasileira, apto a figurar ao lado dos maiores clássicos do mundo. Essa mudança também refletiu na valorização da cachaça, seu principal ingrediente. Superando preconceitos históricos, hoje a cachaça ocupa um espaço de prestígio na coquetelaria internacional.
Derivan liderou o movimento que ressignificou essa narrativa, mostrando que a cachaça é muito mais do que um destilado: é um símbolo de brasilidade, sofisticação e qualidade. Ao posicioná-la nos holofotes internacionais, ele desafiou preconceitos e reafirmou que a coquetelaria brasileira pode ser celebrada em sua autenticidade, sem adaptações para agradar a padrões externos.
A inclusão da caipirinha e do Rabo de Galo na lista da IBA é o reflexo máximo dessa valorização. O legado de Mestre Derivan nos ensina que superar negativas exige persistência, paixão e amor ao propósito — no caso dele, a cachaça.”
O artigo foi originalmente escrito pelo cachaçólogo Otávio Oliveira Silva publicado na 91ª edição da Revista Cachaça de Alambique com Notícias da ANPAQ (Associação Nacional dos Produtores e Integrantes da Cadeia Produtiva e de Balor da Cachaça de Alambique). Para baixar essa edição e todas as demais, acesse o link acima.
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