bloody maryO homem preferia o canto mais escuro do bar. De tanto frequentá-lo, acabou conquistado a mesa mais escondida. Era dele. Ninguém tirava. Nem mesmo se o bar estivesse cheio, com espera. Aquele espaço tinha um dono.
Ele chegava um pouco depois da meia-noite – sempre vestido com um sobretudo preto e sóbrio. Pouco falava.
Na verdade, só dizia o essencial. E o essencial era sempre ” um Bloody Mary, por favor”.

Ele tomava muitos. Quatro. Seis, em algumas noites. Parecia triste. Parecia um homem com saudade. Os funcionários do bar, claro, deram-lhe um apelido jocoso: vampiro. Segundo os garçons, o vampiro tomava Bloody Marys para compensar a falta de sangue, do gosto do sangue. O coquetel seria somente um placebo. Os pescoços não estavam mais disponíveis. O jeito era beber.

Uma noite, surpreendentemente, uma mulher sentou-se com ele. Uma loira madurona e magérrima. Enquanto ele sorvia seu Bloody Mary, ela pediu um White Lady. Passaram aquela noite em uma conversa contida, em um tom abaixo do normal.

Os funcionários do bar, claro, não perderam a oportunidade e começaram a chamá-la de “noiva cadáver”. Mas a mulher do White Lady foi vista apenas durante uma noite – o que só serviu para aumentar a lenda do vampiro.vampiro-bartender

Assim, o vampiro foi se transformando em uma espécie de atração. Começou como uma piada entre garçons, mas foi ganhando força e se espalhando entre a clientela. O gerente já nem cobrava mais a conta do vampiro. A presença dele naquela mesa era a maior ação de marketing que aquele estabelecimento de porte médio poderia ter. Vez ou outra alguém pedia uma foto, tirava uma selfie e fazia certo carnaval em torno da figura. O homem, sempre sério, permanecia educado e impassível. Apenas concentrado em seu Bloody Mary.

Teve um dia que, ao sorver o líquido do seu coquetel, fechou os olhos como quem sonha com algo bom. Ser imortal deve ter um lado muito ruim. Muitas lembranças, muitos passados, muitas vidas nessa porta giratória que alguns chamam de existência. Teve uma segunda-feira em que o próprio barman decidiu levar o Bloody Mary para a mesa do vampiro. Tinha a legítima curiosidade em saber o motivo do coquetel agradar tanto aquele cliente. Por quê? O vampiro disse que aquela bebida tinha o gosto de um passado feliz. E, ao dizer isso, sorriu. E, ao sorrir, exibiu dois pontudos caninos. Ou seja, os garçons tinham razão. Ele era um vampiro.christopher-lee

Na noite passada, o vampiro pediu um copo com água. Morreu na mesa. Morte natural. Apenas a noiva cadáver e a equipe de garçons apareceram em seu velório. A mesa, no canto mais escuro do bar, foi imortalizada.

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