Conheça a história do Bourbon Whiskey, um dos destilados mais importantes de todos os tempos
O bourbon até poderia ser um destilado coadjuvante, visto que seria uma variação do scotch whisky.
Porém, ao encontrar no Novo Continente um ingrediente incomum na Europa, o milho, toda a história se reinventou nas mãos dos imigrantes europeus.
Um enredo que já dura três séculos e é cheio de altos e baixos, tradição familiar, guerras, revoluções e conquistas, mas a paixão pelo bourbon segue firme como ingrediente principal dessa trama.
Para essa série, convidamos Eddie Russell, um dos nomes mais importantes da produção de bourbon em todos os tempos, o master distiller de Wild Turkey, que assinará junto ao Mixology News uma série de artigos para que você saiba tudo e mais um pouco sobre o Bourbon, o destilado mais americano de todos.
Não fosse a imigração, principalmente da Inglaterra, Irlanda, Alemanha e Holanda, Escócia e País de Gales, essa bebida provavelmente não teria criado raízes na cultura americana. Assim, com a chegada dos povos europeus, introduziu-se uma série de hábitos e gostos típicos, entre eles o apreço pelo scotch whisky.
Com a colonização se instalando fortemente nos estados do nordeste americano como Maryland, Pensilvania e Nova Jersey, os pioneiros na destilação logo expandiram sua cultura etílica para os estados do centro e do sul, como forma de fugir da cobrança de taxas que eram impostas no local.
Com a necessidade de fomentar o desenvolvimento da região, a plantação de milho passou a ser mais eficiente e mais rápida do que qualquer outro grão importado como o centeio, trigo ou cevada.
E foi assim que o destilado conheceu os campos de Kentucky e se acomodou para sempre, com destilarias comerciais se instalando desde 1783 em torno do Rio Ohio, na cidade de Louisville e na sequência em torno do Rio Kentucky.
Você pode ler a história da publicidade de destilados em, revistas, rádio e televisão nesse documento aqui.
Então o presidente George Washington convocou 13 mil milícias para “lidar com os rebeldes”, mas os insurgentes se dispersaram antes de qualquer conflito maior. Esses eventos incentivaram os destiladores fujões à se abrigar em Kentucky e Tennessee, que não estavam sujeitos à lei federal na época.
A Rebelião do Whiskey, tela abaixo, durou até 1794 e foi o primeiro teste real da capacidade do governo federal de fazer cumprir as leis americanas.
Durante muitas décadas, esse destilado foi produzido no velho condado de Bourbon, mas acreditem, apenas no ano de 1840 é que ele se tornou oficialmente um Bourbon. Antes, era comum ver as pesoas pedindo doses desse “whisky do novo mundo“, o “Whisky do Condado de Bourbon” ou ainda “Whisky do velho Condado de Bourbon“.
Atualmente, o Condado de Bourbon tem pouco significado na produção de bourbon. Em vez disso, a maior parte da produção está concentrada nas áreas de Louisville, Frankfort, Lawrenceburg e Bardstown.
Já em 4 de maio de 1964, o Congresso dos EUA reconheceu o bourbon como “destilado distinto dos americanos”, pois o seu aroma e sabor carregavam todo o espírito nativo dos Estados Unidos.
Quando o presidente Thomas Jefferson revogou, em 1804 o imposto sobre bebidas alcoólicas que ainda gerava mal estar na população viu-se um aumento considerável no consumo de bourbon e abertura de novas destilarias.
Quando a Revolução Industrial (1820 a 1840) trouxe novos processos de manufatura para a indústria em geral, foi possível expandir fronteiras do bourbon para além do centro norte-americano. Um novo sistema logístico e comercial se apresentava com a malha ferroviária se estabelecendo, e por consequência, novos clientes por todo o país.
Foi nesse período também que o bourbon deixou de se vendido em barrís para ser engarrafado e que os blends de barrís diferentes passaram a ser feitos, com intuito inicial de mascarar algum produto mediano e depois, para gerar valor agregado ao produto.
A decisão de engarrafar bourbon foi uma questão de conveniência para o consumidor, pois os jarros eram uma embarcação mais atraente e portátil do que os barris.
A Era da Proibição foi o ato legal que proibia a produção, transporte e venda de álcool ou bebida alcoólica nos Estados Unidos durante o período de 16 de janeiro de 1920 a 05 de dezembro de 1933.
O fato é que o Prohibition Days arruinou muitas destilarias de bourbon. Algumas das principais empresas voltaram a entrar em operação assim que o país percebeu seu terrível erro e revogou a inconsequente 18ª Emenda, em 1933, mas demorou décadas para que o bourbon vivesse um verdadeiro ressurgimento, com destilarias artesanais e novos lotes pequenos das principais empresas aparecendo.
Depois de sofrer com o crack da Bolsa de NY (1929), o período da Lei Seca (1920-1933), as duas Guerras Mundiais e o avanço da indústria de cinema investindo forte em vodka, o mercado de bourbon se viu devastado e muitos estados chegaram a ficar sem abastecimento por períodos longos.
Mas nada está ruim que não possa piorar. Na década de 1960 viu-se o início de um declínio nas vendas de bourbon, uma vez que a agora superprodução levou a preços baratos e a geração jovem deu as costas ao bourbon para beber vodka. Esse declínio continuou nas décadas de 1970 e 80.
Isso mudou com a introdução de bourbons super premium, como marcas single barrel e pequenos lotes nos anos 90. No começo deste século, o bourbon não apenas se recuperara, como se tornara tremendamente popular quando os consumidores chegaram a avaliar a qualidade e o sabor do bourbon bem feito por destiladores tradicionais e novos destiladores artesanais.
“O início da transformação do bourbon aconteceu com o surgimento de variações premium. Os single barrels e barrel proofs eram lotes limitados de alguns dos melhores barris. O que realmente mudou tudo foi quando os jovens bartenders voltaram a fazer os clássicos coquetéis de bourbon novamente. Old Fashioned, Manhattan, etc. Isso fez com que os jovens, tanto homens quanto mulheres, bebessem bourbon pela primeira vez através de um coquetel.” afirma Eddie Russell.
Após alguns anos de namoro diplomático entre Brasil e EUA, os então presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama selaram em 2012 o Decreto Nº 7.968, de 26 de março de 2013, um acordo que determinava que a cachaça deixaria de ser vendida em terras americanas como “brazilian rum” assim como o bourbon deixaria de ser vendido em terras brasileiras como “uisque americano”.
Isso porque os mercados de cachaça e bourbon nos respectivos países são importantíssimos para as exportações locais. Dessa forma, pudemos ver no Brasil uma nova geração de bourbons chegando às prateleiras e se fortalecendo nos bares de todo o país.
Hoje, o bourbon é de longe o destilado americano mais exportado e as vendas totais de bourbon estão perto de US $ 3,7 bilhões de dólares por ano, sendo US $ 2,7 bilhões desse valor vindo das vendas domésticas.
O movimento da alta coquetelaria tem se encantado cada vez mais pela identidade de sabor do produto e criado coquetéis que tem se tornado clássicos em regiões de todo o mundo.
Em outras palavras, a credibilidade do bourbon só cresce e se tornou um dos principais destilados do mundo – até o Senado dos EUA entrou em cena, declarando em 2017 que o mês de setembro seria conhecido como o National Bourbon Heritage Month, algo como mês nacional da memória do bourbon, além do dia 14 de junho como o Dia Americano do Bourbon.
De acordo com a American Bourbon Association, podemos definir este destilado em 6 principais pontos. Conheça as características abaixo:
Barrís Novos
A exigência de novos barris de carvalho contribui para melhores características de envelhecimento e cor. Como não podem ser adicionados corantes ou aromas artificiais, esse requisito é fundamental para a maturação do sabor do bourbon. Outros tipos de whiskey podem ser envelhecidos em barris usados.
Tudo Natural, Sem aditivos
Ao contrário de outros tipos de whiskey (canadense, escocês e irlandês, onde podem estar presentes aditivos para coloração e sabor) o bourbon mantém um perfil autêntico e inalterado.
Armazenamento de barril
Os barris de bourbon são frequentemente armazenados lado a lado, o que permite o fluxo de ar nos armazéns antigos. Esse tipo de armazenamento é único, enquanto outros tipos de whiskeys envelhecem em paletes ou ficam no chão. Acredita-se que o fluxo de ar seja um importante fator diferenciador no envelhecimento de bourbon.
Condições de envelhecimento
Os extremos de temperatura entre o verão quente e as estações frias do inverno, onde o bourbon é produzido, contribuem muito para o processo de envelhecimento no bourbon. As mudanças de temperatura afetam a maneira como o bourbon reage com o carvalho, resultando em um processo de envelhecimento acelerado, em relação a outros whiskeys.
A receita
As receitas de bourbon consistem em pelo menos 51% de milho, o que cria um sabor doce. Em média, as destilarias utilizam aproximadamente 70% de milho. Outros grãos, como centeio, trigo e cevada maltada, são adicionados para um sabor mais complexo. Outros tipos de whiskey podem usar apenas um grão. Esse é outro fator nas características distintas do sabor do bourbon.
Straight Bourbon Whiskey
Para que o bourbon seja designado como “straight bourbon whiskey”, ele deve ter envelhecido em barricas de carvalho novo por um período de pelo menos dois anos.
Aproximadamente 95% de todos os bourbon produzidos nos EUA são do estado de Kentucky, porém, tecnicamente um bourbon pode ser produzido em qualquer estado americano.
Eddir Russell é categórico em relação a seriedade no preparo do destilado:
“Bourbon deve ser feito com pelo menos 51% de milho no seu mash bill. Não é necessário usar qualquer outro grão, mas a maioria dos produtores usa centeio, trigo ou cevada. Ele não pode ser destilado a mais de 80% de álcool. Ele deve ser colocado em um barril de carvalho novo e tostado a 62.5% de álcool. Ele precisa ser envelhecido por pelo menos 2 anos. Se envelhecido por mais de 4 anos, você não precisa declarar a idade na garrafa. Ele não pode ser engarrafado a menos de 40% de álcool. afirma o master distiller.
“Bourbon é o único estilo de whiskey do mundo onde não pode ser adicionado nenhum corante. Você deve seguir todas essas regras para ser um Straight Bourbon Whiskey. Isso mantem a indústria segura de que nada é adicionado ao whiskey. É o barril que confere ao Bourbon suas notas de caramelo, baunilha e especiarias. O mash bill e a graduação que é destilado o Bourbon conferem doçura e notas de frutas. Envelhecer por mais tempo como fazemos com Wild Turkey confere sabores mais encorpados.” finaliza Russell.
“Bourbon é o estilo de whiskey que possui mais restrições, o que nos faz confiar em nossas leis.” Eddie Russell
Não dá para pensar na coquetelaria clássica sem a existência dos bourbon em todos os bares. Seria como eliminar da história um time de coquetéis dos mais saborosos de todos os tempos.
Já imaginou um bar sem servir drinques clássicos como Old Fashioned, Manhattan, Vieux Carré, Sazerac, Mint Julep, Boulevardier,Brown Derby, NY Sour, Bourbon Smash, Hot Toddy Kentucky Mule e Gold Rush.
Sem contar dos drinques menos conhecidos como new era cocktail como Paper Plane de Sam Ross.
Sem dúvidas a vida de Jerry Thomas, Harry Craddock, Ada Coleman ou ainda Harry Jonhson teria sido mais monótona sem esses e outros drinques à base de bourbon whiskey.
Receba nossa newsletter com os melhores artigos do universo da mixologia.
Obrigado por se inscrever!