Paulo Mendes Campos foi um dos maiores cronistas do Brasil. E um dos caras que mais gostava de beber também.

Certa vez, em uma crônica chamada “Por que bebemos tanto assim?”, ele narra um episódio em que estava na cidade de Goettingen, na Alemanha, e foi informado de que não havia nenhum bar aberto após a meia-noite, no que replicou “Pois fiquem vocês sabendo que em todas as cidades, todas as vilas e povoados do mundo, há pelo menos duas pessoas que continuam a beber depois de meia-noite; aqui em Goettingen há pelo menos duas pessoas que estão bebendo neste momento”.

Foi com isso em mente que saí solitariamente pelas ruas de Montevidéu numa fria madrugada de domingo.

Apesar de ser uma capital, a cidade uruguaia mais parece um terreno baldio nesse dia em particular. Ninguém na rua, quase tudo fechado. Mas eu precisava de um trago, fosse para aplacar o frio ou a solidão, e o mantra do Paulo Mendes Campos funcionava como um farol a iluminar meu caminho.

Em algum lugar, alguém está bebendo agora, repetia silenciosamente dentro da minha caixa craniana.

Não sei ao certo por quanto tempo perambulei. Talvez estivesse com a mesma demência repentina das pessoas que, perdidas, sofrem com a ilusão da abundância de água no deserto.

O fato é que passei a ver inúmeros bares, em cada esquina um bar. Mas não conseguia chegar a eles, como se a rua se alongasse quando faltavam apenas alguns metros para finalmente encostar no balcão.

Acho que era o frio cortante. Fazia cinco graus na rua. Meu cérebro estava virando gelo. Os bares todos sumiram, e em seu lugar surgiu uma profusão de portas fechadas.

Derrotado duas vezes, pela realidade e pela imaginação, resolvi voltar ao meu hotel. De repente, ao contornar a Fuente de los Candados, subitamente dei de cara com um bar.

Bem no centro da cidade, já havia passado por ali inúmeras vezes de noite e nunca o tinha visto. Foi como se ele tivesse se materializado naquele local unicamente pela força do meu desejo. Meio atônito, entrei.copoParecia haver caminhado léguas. Estava exausto, congelando. Apesar de saber de antemão que o forte ali não seria a coquetelaria, pedi um Negroni.

Não sei se pela força do hábito, mas o gesto de pedi-lo foi quase automático. Evidentemente, a bebida servida era assombrosa. Até hoje desconfio que não havia vermute ali, era só gim e Campari com uma rodela de laranja.
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Porém, junto com a bebida beirando o intragável, de repente senti a mesma paz de espírito que o célebre cronista sentiu quando achou um lugar para beber em Goettingen.

Temos que colocar a vida em perspectiva, diziam os sábios. De certa forma, é reconfortante confirmar que haverá sempre um copo à espera de uma alma avulsa dentro da noite.

E que o pior Negroni da sua vida pode também ser o melhor.

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