A polêmica em torno da premiação do Marie Brizard Masters divide a comunidade da coquetelaria no Brasil
Um movimento nas redes sociais começou a questionar o título dado ao bartender Ricardo Bassetto, que venceu com o coquetel ‘Égalité’, inspirado na luta de igualdade de gêneros; o Mixology News conversou com diversas fontes para entender os pontos divergentes
A principal pauta levantada nas redes sociais é sobre a apropriação do tema feminista para o coquetel e a conduta pessoal de Bassetto, que muitos acreditam que diverge da causa das mulheres.
Na última segunda-feira, dia 02 de setembro, aconteceu no Le Bou Bar, em São Paulo,a etapa nacional do concurso Marie Brizard Masters, que teve agora em 2019 a primeira edição realizada no Brasil.
A tradicional marca francesa de licores promoveu o concurso de forma fechada, em que nove bartenders da cidade de São Paulo foram convidados pelo comitê para desenvolverem coquetéis autorais baseados no tema ‘Stir Up Liqueuriosity’ – Aumente a Liqueuriosidade, em tradução livre para português.
A ideia era promover o licor como protagonista, em que nas regras eram exigidos 5 ingredientes, em que ao menos 20 ml de produtos Marie Brizard estivessem presentes na receita.
Como afirma o Regulamento acima, foram avaliados no concurso o nome do coquetel, equilíbrio, gosto, aroma, a aparência, o desempenho e uso de técnicas de bartending e a explicação do conceito e inspiração por trás da criação, tudo em 5 minutos de apresentação.
Para o corpo de jurados foram convidados Alexandre D’Agostino, do Apothek Cocktails & Co., Diogo Sevílio, do Cozinha 212, e o editor do site Difford’s Guide Brasil, Marcelo Sant’Iago.
O primeiro lugar ficou para o bartender Ricardo Bassetto, do D.O.T., com o drinque ‘Égalité’ que, segundo o profissional, o conceito por trás da criação foi a inspiração na luta feminista pela a igualdade de gêneros.
Na sequência, Stephanie Marinkovic, do Espaço 13 ficou em segundo lugar com o coquetel ‘Le Môme Piaf’, e Flávia Mattos do Bar dos Arcos com o ‘The Mirror’.
O vencedor da etapa no Brasil irá representar o nosso país na final, que ocorrerá na cidade francesa de Bordeaux e terá a imagem associada à marca e tudo que envolve os contratos de divulgação e marketing.
Conversamos com Diogo Sevílio, um dos três jurados da competição, que afirmou que a comissão julgadora do Marie Brizard Masters se atentou unicamente aos aspectos técnicos, profissionais e que estavam no regulamento do critério de avaliação, conforme foi orientado e que dessa forma, o corpo de jurados não levou para o dia da competição crenças e condutas morais particulares.
“Eu precisava avaliar o que estava sendo pedido e não quis levar pro lado pessoal ou do posicionamento que tenho. Estava lá para ser jurado e agir de forma profissional. A competição tinha cinco categorias e cada uma delas tinha um peso diferente e a soma e média de todas elas acabaram dando a maior pontuação para o Bassetto”, concluiu Sevílio.
Leia o Regulamento Marie Brizard Master -ETAPA LOCAL- 2019 por completo aqui
Segundo Flávia Mattos, terceiro lugar da competição, no dia não foi possível escutar muito a apresentação de Bassetto, já que havia muito ruído no ambiente.
“Os competidores eram chamados pelo nome e na sequência anunciavam a nomenclatura do coquetel…escutei na hora ‘Égalité’, imaginei que fosse algo relacionado à igualdade de gênero, mas só depois tomei conhecimento de todo o contexto da proposta do Bassetto…acredito que se ele ganhou foi por uma série de fatores, mas acho preocupante usar uma causa para benefício próprio”, pontua a bartender.
Para Flávia, o vencedor está dentro dos critérios que foram avaliados na competição, porém a bartender acredita que existe um certo incômodo não só pela polêmica da premiação, mas também porque a marca, nesse primeiro momento, não se colocou em uma posição de diálogo com o público. “A marca poderia posicionar que houve uma falha e se abrir para uma conversa”, conclui.
Desde que foi divulgado o campeão da etapa nacional do concurso nas redes sociais da marca Marie Brizard Brasil, começou um movimento de comentários questionando a premiação.
A principal pauta levantada nas redes sociais é sobre a apropriação do tema feminista para o coquetel e a conduta pessoal de Bassetto, que muitos acreditam que diverge da causa das mulheres.
Os discursos cobrando uma posição da marca se multiplicaram nas redes sociais, o que levou a Marie Brizard a desabilitar a aba de comentários da publicação relativa ao vencedor.
Pelo stories, horas depois, Marie Brizard chegou a fazer uma publicação informando que todo o caráter da premiação foi baseado no manual das regras do concurso, sem levar para avaliação aspectos pessoais da vida dos competidores. Abaixo transcrevemos na íntegra o conteúdo:
“Atendendo aos questionamentos sobre o coquetel vencedor do MB Masters Brasil, esclarecemos que:
A. O tema central do campeonato foi “Aumente a curiosidade nos Licores” (Stir Up Liqueuriosity)
B. Os critérios avaliados na escolha do coquetel campeão envolveram EXCLUSIVAMENTE os seguintes pontos:
1. Apresentação dos conceitos e uso do ingredientes (sic) no coquetel. 2.Técnicas de bartendending 3. Equilíbrio, gosto e aroma 4. Aparência Física 5. Nome do Coquetel
C. O corpo de jurados teve total independência e soberania na atribuição das notas seguindo o regulamento acordado entre os participantes
D. A marca não coaduna com qualquer forma de preconceito, racismo ou discriminação.”
A discussão em torno do assunto ganhou ainda mais força quando as pessoas começaram a questionar o posicionamento da marca com relação a que ela representa na história, já que Marie Brizard, a criadora do famoso licor de anis, se dedicou por 10 anos para chegar na receita original e tocou os negócios em pleno século XVIII, época em que as mulheres não tinham permissão para assinar documentos de uma empresa.
Para conseguir prosperar, Marie achou uma estratégia e contou com a ajuda do sobrinho Jean-Baptise Roger, que pôde cuidar de todos os documentos legais e comerciais necessários.
Foi pautado na história da fundadora da marca, que Ricardo Bassetto tirou inspiração para criar o coquetel ‘Égalité’ que, segundo o bartender, foi uma homenagem à trajetória de de todas as mulheres fortes, como a mãe e a avó dele.
O Mixology News procurou o campeão da competição Marie Brizard Masters, que afirmou que a ideia do coquetel foi baseada na luta das mulheres pela igualdade de gênero e prestou uma homenagem à todas que chegaram em posições de destaque, como foi o caso de Marie Brizard.
“Olha o que essa mulher passou em uma época que não podia fazer nada!”, divaga o bartender.
Quanto ao movimento que segue crescendo nas redes sociais que questionam a premiação de Bassetto, o campeão do Marie Brizard Masters afirma que as pessoas fizeram um pré-julgamento sem conhecê-lo.
“Relacionar posicionamento político com profissional não pode… igualdade de gênero todo mundo quer e o que as pessoas estão falando vai contra o que eles defendem por aí”, comenta Bassetto referindo-se aos grupos que se manifestaram nas redes sociais e que trouxeram para discussão algumas postagens de caráter misógino que foram publicadas por Ricardo no perfil do mesmo.
“O feminismo é uma coisa, o direito da mulher é outra coisa completamente diferente que sair por aí protestando com os peitos de fora…dizem que sou contra, mas eu votei em duas mulheres na última eleição”, se defende Ricardo, que afirma que nos últimos dias se afastou das redes sociais para evitar os comentários negativos.
O Mixology News procurou a equipe da Marie Brizard Brasil, que nos últimos dia havia informado que apenas no início da semana compartilhariam uma posição da marca, visto que eles estavam cientes dos acontecimentos e analisariam junto com o time global de marketing.
Porém, neste sábado, horas atrás, através da sua assessoria de imprensa, recebemos um comunicado oficial da marca que pode ser lido ao final da matéria.
Após a divulgação do vencedor, muitos perfis de bartenders e bares começaram a comentar que fariam boicote da Marie Brizard caso não houvesse nenhuma atitude da marca com relação à polêmica da premiação.
“Ainda que os jurados não saibam desses posicionamentos dele, acredito que tomando conhecimento disso a marca deveria rever o resultado, visto que isso não condiz com a história de sua criadora, Marie Brizard, que construiu um império no universo da coquetelaria. Desta forma, eu e outras colegas seguimos aguardando um posicionamento da marca em relação aos acontecimentos para entendermos se continuaremos a usar seus licores ou não, já que como mulher e chefe de bar do restaurante Fitó Cozinha, que tem equipe 100% feminina, esta é uma situação inadmissível para nós e seria incoerente não revermos nossa parceria após o ocorrido”, pontua Renata Adoración.
Porta-voz do movimento ‘Eu Bebo Sozinha’, a bartender Michelly Rossi, é também uma das figuras femininas que encabeçam um posicionamento da marca e exige um melhor esclarecimento de quais rumos serão tomados perante os fatos que vieram à tona através das publicações na internet.
“Senti que a resposta da marca foi muito técnica, robótica…Existe a crítica e sempre existirá um contraponto de todos os fatos (…) acredito que foi um erro de estratégia da marca e não dá para deixar o assunto morrer passando pano e dando tapinha nas costas” relata Michelly.
Para a bartender a situação atual é um ótimo palco para chamar atenção não só da Marie Brizard, quanto ficar de aviso para outras marcas que cada vez mais é necessário estar atento ao discurso e como algumas posições podem ferir um movimento ou ter teor preconceituoso.
“As marcas acham que estão blindadas, porém elas têm que entender que somos a ponte entre elas e o consumidor final. Se um comprador para de adquirir determinado produto, a marca acaba perdendo um cliente e isso em massa gera o trabalho delas terem de estudar estratégias para se inserirem no mercado novamente”, comenta Michelly se referindo também ao movimento do boicote.
Chula, bartender argentina e chefe de bar do Bar dos Arcos, acredita que a polêmica em torno da premiação abriu uma porta para a comunicação: “Toda essa situação tem que resultar em algo mais positivo do que ruim, a marca tem que escutar e bater um papo com todo mundo, ter uma postura mais aberta…”
Tivemos acesso ao regulamento oficial do concurso e perante às cláusulas que cabem aos critérios de avaliação da competição, Bassetto cumpriu com todas as especificações. Porém, da mesma forma como foi notado por outros competidores, no tópico de ‘Condições Gerais’, está aberto que:
“No caso de que a operação, segurança ou administração do Marie Brizard Masters se veja impedida de qualquer forma, o organizador poderá, a seu exclusivo critério, seja: (a) suspender o campeonato; (b) desqualificar a qualquer pessoa física que viole os presentes Termos e Condições ou atue de maneira perturbadora ou antidesportiva.”
Dessa forma, se a marca compreender que algum dos participantes, ainda que o vencedor atuou dentro desse parágrafo, poderá tomar decisões que mudem o rumo da competição.
O que pudemos apurar através de uma série de entrevistas é que não está se discutindo a questão legal do campeonato, mas a basicamente a questão moral.
De outro lado, sabemos que o time da marca no Brasil segue em contato com o time global de marketing para decidir de uma vez por todas o desfecho oficial deste campeonato.
Recebemos neste sábado através da assessoria de imprensa o comunicado oficial da marca Marie Brizard sobre o acontecimento que publicaremos na íntegra neste link abaixo.
Comunicado Oficial Marie Brizard – “Em respeito à pluralidade de opiniões”
*POR GIULIA CIRILO, ESPECIAL PARA O MIXOLOGY NEWS
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