Melado é uma coisa. Melaço é outra coisa. Um você come, outro não. Acontece que a maioria dos bartenders não faz ideia dessa diferença.

Com o advento da internet surgiram as redes sociais e uma das figuras de linguagem mais conhecidas deste ambiente são as MEMES. Um destes memes que me chamou a atenção é a da professora que desenha no quadro uma abelha e com a palavra escrita solicita que a criança soletre A-B-E-L-H-A; assim a criança o faz corretamente, então a professora aponta para o desenho da abelha e pergunta: que bicho é esse?

E a criança imediatamente responde “MARIMBONDO”.E com esta alegoria da abelha e do marimbondo venho introduzir o assunto do M-E-L-A-D-O constantemente chamado de MELAÇO.

Indo ao mercado, ou pedindo a um fornecedor o melado de cana tornou-se ingrediente comum em pratos e drinks das principais cidades brasileiras.

Mas por que muitos bartenders compram melado e os chamam de melaço?

Aqui onde vivo e trabalho, no Rio de Janeiro, um dos principais fornecedores de melado de cana é a Casas Pedro e o mais utilizado acredito que seja o Fios de Ouro, de uma fazenda tradicional e centenária de Quissamã, RJ.No livro História do mundo em 6 copos, Tom Standage afirma que “Os plantadores ganharam mais do que cana-de-açúcar e equipamentos do Brasil – eles também aprenderam a fermentar os subprodutos do processo de feitura do açúcar e depois a destilar o resultado de modo a obter uma poderosa bebida alcoólica. Os portugueses chamavam de aguardente de cana e faziam a partir do suco da cana ou da espuma retirada da fervura. Esse processo de foi aprimorado em Barbados, onde a aguardente era feita a partir do melaço…”

É importante ressaltar que nesta época o mercado exigia um açúcar clarificado e que o açúcar refinado só surge no século XVIII.

Procurei então, meu amigo Haroldo Carneiro proprietário do Engenho São Miguel onde se produz a ótima Cachaça Sete Engenhos, conhecida por muitos colegas de barra aqui na Cidade Maravilhosa. Lá no Engenho, Haroldo produziu outrora açúcar mascavo, que não gera o refugo melaço, visto que este só ocorre com a clarificação do açúcar e nos tempos de hoje nas usinas de refinamento. Mas também confirmou o uso do melaço de cana na alimentação do gado. Hoje, além da cachaça o Engenho São Miguel também produz melado bruto que distribui para a região de Quissamã.

Abro aspas para Haroldo Carneiro:. “Rod, o melado é produzido nos tachos de cozimento. A caldeira gera um vapor que passa por serpentinas dentro destes tachos que aquecem o caldo da cana. O caldo é cozido e reduzido pelo aquecimento das serpentinas através dos vapores da caldeira.”

Melado de cana é um produto do cozimento do caldo de cana, nutritivo e rico em cálcio, fósforo e ferro.

Melaço é o subproduto residual do clareamento do açúcar, com baixo teor nutritivo e que é utilizado sobretudo como ração de animais, fertilizantes para plantas, na produção de etanol e para nossa alegria, foi e é a matéria prima da maior parte dos runs caribenhos.

Procurei o GrowPlant, site que comercializa melaço de cana para plantas, mas que na legenda descreve como um produto obtido pelo cozimento da cana de açúcar; minha pergunta foi “qual parte da cana de açúcar é utilizada em cozimento” a resposta foi “deve ser o refugo da produção do açúcar” e que não é próprio para consumo humano. Então, para que a gente nunca esqueça:

“Melaço é obtido na usina e Melado é obtido no engenho”

Discussões linguísticas ficam para outro momento – Molasses ou miel de caña ou mesmo melaço em outros países. Considerei aqui o Melado e o Melaço produzidos e compreendidos no Brasil. Espero ter ajudado e até a próxima.

Conheça o autor

Rodolfo Werner é o homem de bar old school. Nem alquimista nem farmacêutico, com mais de duas décadas de atuação em A&B. Conhecedor de garrafas, apreciador da diversidade, nasceu em Goiás, criado em Belém, mas vida acadêmica e profissional no Rio de Janeiro. Gestor de processos e administrador de desperdícios de insumos, de tempo e de equipamentos.

Acredita que açúcar é tempero e não ingrediente principal. Não é famoso, mas gerações o conhecem. Beba o primeiro trago e quererais o terceiro. Sócio da empresa Dose Certa serviço e treinamento em bar, bebidas e coquetelaria.

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