Bartenders falam sobre a importância da atividade física para amenizar os impactos de uma rotina desregrada e horários pouco convencionais

Horas em pé, escalas irregulares, aquela esticadinha para a resenha com uma cerveja pós-trabalho… A rotina de quem vive atrás da barra não é lá das mais saudáveis por natureza. Buscando equilíbrio entre corpo e mente, alguns bartenders apostam na atividade física para minimizar o impacto de uma vida pouco regrada e ter um futuro melhor. Seja musculação, futebol ou capoeira, mexer o corpo está em alta. E os benefícios vão muito além de moldar o shape. Quem já entrou nessa garante que ajuda até no trabalho.

– É uma profissão que você tem que estar muito bem de físico e de cabeça. O exercício se tornou uma válvula de escape de questões emocionais, psicológicas e da sobrecarga de trabalho. É como uma terapia – diz Renata Adoración, à frente do Fitó Bar e adepta a musculação – A musculação me traz um poder de realização. Minha autoconfiança melhorou muito a partir do momento em que consegui me superar.

Mesmo trabalhando de domingo a domingo e sem horário fixo, Renata colocou a atividade física como uma prioridade desde a pandemia. Hoje, não tem negociação. Treino é coisa séria, e ela segue uma rotina de atleta amadora, com dieta, cronogramas e protocolos. Quatro vezes na semana faz musculação, sendo duas vezes com personal, e treina boxe uma ou duas vezes.

– Meu truque é treinar perto de casa e do trabalho. Fui distribuindo os locais onde conseguiria cumprir o treino, sem estar presa a um lugar só, dependendo da minha agenda de trabalho – conta ela, que consegue manter uma média de duas horas de exercício por dia. – Quando estou na academia, penso só naquilo. Não tem como estar em outro lugar, o que é muito difícil hoje em dia.

Aos 36 anos, Renata avalia que está em sua melhor forma.

– Tenho muito mais disposição e não sinto mais as dores de antes. O exercício me trouxe disciplina, fiquei mais serena, e a ansiedade diminuiu. Foi uma mudança absurda, que até os outros percebem – avalia, dizendo que seu exemplo serve de inspiração – Mandam mensagem para perguntar sobre essa mudança, para saber sobre a rotina. Fico feliz em inspirar pessoas ao meu redor.

Atleta na adolescência, praticante judô e skatista, Rodolfo Bob deu uma patinada na vida louca em 2018 e deixou o esporte para lá. Até que, em 2021, caiu a ficha que os 50 anos não estavam mais tão longe assim e passou a questionar seu estilo de vida.

– Gosto muito de viver o presente alucinadamente, mas existe uma discussão de redução de danos a médio e longo prazos. Não sou um rockstar para morrer aos 27 anos, e o custo de tudo é maior após os 40. A cena gastronômica é insalubre física e mentalmente, é uma área de muitos abusos.

Hoje, aos 43 anos, ele divide sua vida entre “um pouco de droga e um pouco de salada”, fazendo musculação cinco ou até seis vezes na semana.

– Sou adepto do bebe, mas treina. A questão estética é a menor, claro que a autoestima melhora, mas o mais importante é o bem-estar, a disposição, a libido em alta. Não estou preocupado com a barriga tanquinho, até porque eu gosto de uísque e bacon – brinca, mas sem perder o foco no objetivo. – É um investimento a longuíssimo prazo, então, quanto antes você começar, melhor. Treinar me faz muito bem, principalmente para ter uma velhice de qualidade.

Essa preocupação com um futuro melhor também foi o que fez Laércio Zulu se reconectar com a capoeira, que praticava na adolescência. E, de dois anos para cá, incrementou a rotina de exercícios com mais uma luta, o muay thai. Hoje, ele se reveza entre os dois de segunda a sábado na academia, com treinos sempre pela manhã.– Não dá para romantizar nossa profissão. É a engenharia da catástrofe, vai ter uma cobrança lá na frente, mas a gente tenta amenizar isso. Tem que ter equilíbrio, e o esporte é o caminho ideal – avalia, dizendo que não abre mão dos treinos. – Não foi uma coisa que consegui do dia para a noite, mas o treino deixa tudo mais leve. Mesmo quando exagero na noite anterior, faço um treino mais suave, mas não deixo de ir. O dia flui melhor.

Mesmo tendo praticado natação durante anos, só em 2022 Stephanie Marinkovic virou a chave para uma vida mais saudável, que inclui exercícios, com treinos de cárdio e de força, além de uma dieta especial. O álcool também ficou de lado nessa rotina. Quando muito, toma meio coquetel.

– Nunca fui segura com o meu corpo, então resolvi mudar para me sentir bem com ele – diz, ressaltando os benefícios da mudança – Minha vida mudou em muitos aspectos. A cabeça mudou muito e minha resistência nem se fala.

Apesar da rotina atribulada, ela consegue dedicar cerca de três horas por dia aos exercícios, pelo menos quatro vezes por semana.

– Consigo conciliar tudo com marmitas e muita insistência. Porém, venho trabalhando muito. Às vezes não consigo treinar ou vou à noite. Daí, faço a minha bicicleta em casa – conta ela, incentivando quem busca uma mudança para uma vida mais saudável – Tem que querer, e não esperar o momento certo, porque não tem.

Por pouco o Brasil não perde uma das suas grandes referências na coquetelaria para a bola. Marcelo Serrano foi jogador de futebol profissional até os 22 anos, chegando a conquistar títulos internacionais no Japão e nos Estados Unidos. Só que, nos anos 2000, quando morava em Londres, ele se enveredou para o bar, depois de uma lesão no meio do caminho. A paixão pelo esporte, no entanto, nunca ficou para trás. Até hoje, Marcelo mantém a rotina no campo como jogador dos Veteranos Pequeninos do Jockey e dos Veteranos do Bragantino, clube que defendeu no passado.– Você joga, briga, xinga, mas depois todo mundo senta na mesma mesa para tomar cerveja – diz, ressaltando as vantagens de um esporte coletivo – A gente brinca dizendo que é amistoso e que não vale nada, mas todo mundo quer ganhar.

De quebra, ele ainda joga um futebolzinho na Vila Mariana aos domingos, malha na academia do prédio duas, três vezes por semana para fortalecer as pernas, com cárdio e musculação, e começou a se aventurar no tênis há dois anos.

– A rotina é puxada, mas o exercício dá mais disposição. A cabeça funciona melhor na parte de criação, oxigena o cérebro. Se você não faz uma atividade, fica ansioso, preocupado – garante ele, que aconselha: – Cada um tem que achar o que gosta de fazer. Mas é importante para termos um futuro melhor. Ainda mais a gente que trabalha em bar, em pé. É bom estar com o corpo em dia.

Morando a poucas quadras da praia, Thiago Teixeira, chefe executivo de bar do Brewteco, tem uma academia ao ar livre à disposição. Já praticou corrida e futevôlei na orla e, agora, encontrou no mar um exercício para chamar de seu.

– Tinha trauma de mar, quase morri afogado quando cai de um barco na Baía de Guanabara. Mas uma amiga e a minha mulher me encorajaram, e eu acabei tomando gosto pela coisa. Hoje já perdi bastante o medo. Ele ainda está lá enjaulado, mas consigo entrar no mar – relembra a história de superação.Pelo menos duas vezes por semana, Thiago sacode a preguiça e acorda cedo para encarar o treino de natação em mar aberto na Praia de Copacabana. E quando a gente fala em cedo, é cedo mesmo. Ele tem que estar de pé às 6h40 para estar na água às 8h.

– É bem cedo, ainda mais para quem dorme às 3h da manhã, como eu. Mas é fundamental, o dia começa outro. Quando você está no mar, é um momento único, que te traz tranquilidade – diz, enumerando os impactos positivos do esporte no seu trabalho – A forma de trabalhar melhorou, a questão da respiração também. A produtividade é outra, você fica diferente, a ansiedade diminui. A gente que trabalha com o público, em bar e restaurante, precisa de uma válvula de escape.

José Ronaldo, do Liz Cocktails & Co, também ouviu a palavra da natação no mar há oito meses. Mas isso foi só um complemento para um sonho ainda maior, o de fazer um triatlo e até mesmo um Iron Man, prova considerada um dos maiores desafios do esporte e que pode durar até 17 horas. Pode parecer um plano ousado vindo de um bartender, mas não para ele.

– Sempre consegui conciliar o treino com o bar. Corro há mais de 12 anos e pratico calistenia (método de treinamento que usa o peso do próprio corpo para trabalhar a força, resistência, flexibilidade e consciência corporal) há pelo menos 13 anos, e aqui no Rio comecei a fazer a natação. A cidade proporciona muito isso.

José Ronaldo leva à risca a máxima de nem só de coquetel vive o bartender. Nada uma média de seis quilômetros três vezes na semana, corre dois dias, entre 25 e 30 quilômetros no total, e em um deles dedica ao menos três horas para a calistemia.

Quando não estou treinando me sinto mais cansado do que quando treino. Ter a minha rotina de trabalho em dia com a de qualidade de vida ajuda muito a ter uma noite mais tranquila no bar, tanto no humor quanto na agilidade. Não sinto dores no corpo, na lombar, nem nos ombros.

E para quem acha que o Iron Man é um sonho distante, ele garante que em poucos meses estaria pronto para o desafio. O único obstáculo é o investimento financeiro para se dedicar aos treinos, como o custo de uma bicicleta profissional e de acompanhamento médico, por exemplo. Por enquanto, investe em provas menores, como o Rei e Rainha do Mar e a Meia Maratona do Rio.

Para fazer o Iron Man, a prioridade mudaria completamente. Não seria adaptar o treino à rotina do bar, mas sim adaptar o bar à rotina do treino. Mas vou chegar lá!

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