Beber o Morto? Beber o Defunto? De onde vem essa expressão que seu tio avô costumava dizer quando estava indo encontrar os amigos?!

A expressão é tipica de um estilo de vida interiorano e também nordestino que cada vez mais vem sendo esquecido pelas novas gerações. Para os jovens, essa gíria é quase inexistente, mas é só perguntar para algum familiar que perceberão como essa expressão fez parte da vida de muitas gerações por várias décadas.

Poucas pessoas sabem que Beber o Defunto ou Beber o Morto é um costume genuinamente africano e teve início nos antigos rituais de morte de diversos países do continente.

A sua origem remonta ao Gurufim, uma tradição antiga, que nasceu na África e foi trazida ao Brasil pelos escravizados e era considerado um dos rituais mais importantes da cultura africana, onde os parentes e amigos faziam uma refeição comunitária e tomavam a tradicional bebida angolana chamada Marufo, uma bebida alcoólica feita a partir do fermentado de seiva de Palmeira. Os gurufins ficaram conhecidos pelo seu clima alegre, contageante, ao som de batucadas. Atualmente, é comum ver rodas de samba velando o enterro do falecido.

“O costume de cantar e beber em enterros de sambistas está muito vinculado a uma tradição popular que relaciona a morte à algumas celebrações. Isso a gente encontra em diversas culturas populares. No Brasil, isso é muito comum tanto na religiosidade dos negros bantos quanto dos negros iorubás. Nos candomblés, por exemplo, o axexê, que é a cerimônia fúnebre, é uma espécie de festa para a morte”, explica o historiador e escritor Luiz Antônio Simas.

De acordo com o antropólogo e escritor Ernersto Xavier, o Gurufim “é sobre Comemorar. Co, que significa junto, e memorar, que é lembrar, Lembrar em conjunto, através de uma festa pra tocar música, lembrar as histórias do falecido e assim enganar a Morte, para que ela não queira mais levar ninguém.”

“Antes de tudo, é uma celebração que vê a Morte como uma passagem, um retorno aos ancestrais, que tem Nanã Buruku, que abre esse portal para Orum. Oyá (Iansã) que se encarrega de levar o espírito até o Orum e Omolu que recebe o corpo na terra para que esta matéria se transforme em mais vida, de outras formas. Não se morre sozinho.” explica Ernesto.

Quanto maior fosse a posição social do falecido, mais completo seria o seu velório. Salgadinhos, bolos, pães, licores finos e cafés eram servidos para a classe mais abastada. onde até carpideiras eram contratadas para chorar durante aproximadamente 24 horas, tempo que durava o velório. Já para os mais pobres eram servidos apenas alguma coisa “de sal” (de acordo com as possibilidades da família) e cachaça de litro, quando possível broa de milho.

Aliás, cachaça de litro é uma expressão para as cachaças de baixa qualidade, motivo pelo qual dizia-se que “tal sujeito era mais forte que cachaça de litro!”

Aqueles que durante o gurufim dormiam, vencidos pelo cansaço ou pela própria garrafas, eram acordados pelos demais com o indelicado aviso:

” – Ei, cuidado, Fulano (e diziam o nome do morto) vem te buscar.”

Segundo a pesquisadora Juliana Bonomo, existe a possibilidade que gurufim seja uma corruptela da palavra golfinho. O animal seria visto, na crença dos bantos, como o responsável por fazer a travessia dos mortos até o mundo sobrenatural. Dentro dessa concepção, a festa seria para o defunto chegar feliz no céu.

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