Conheça seu bartender e sua receita – Cláudio Galicia (SP)
A trajetória do bartender Cláudio Galícia começou como um simples freelancer que cobria a folga de um garçom em um conhecido bar gay no ano de 2001. Um dia um dos quatro bartenders da casa faltou e Cláudio teve a chance de entrar no bar e pela primeira vez e ter contato com o mundo da barra e dos coquetéis Lá pode se habituar com as receitas e imprimindo seu jeito de prepará-la, mas infelizmente a casa fechou e ele foi obrigado a procurar outros lugares para exercer aquela função que tanto dava prazer.
À época, a aparência do bartender era andrógena e essa barreira não o permitiu transpor o preconceito da época e conseguir emprego nas vagas em estabelecimentos que não eram direcionados para o público gay. Esse preconceito fez com que Cláudio deixasse seu sonho de lado.
Após 19 anos a chance de voltar à barra veio através do programa Bar Aberto veiculado pela Tv Bandeirantes que trouxe à cena o primeiro reality de coquetelaria da TV, para descobrir o melhor bartender amador do Brasil.
Com grande surpresa Cláudio Galícia conquistou o terceiro lugar da competíção.
Hoje trabalho no Espaço 13 bar cuja Stephanie Marinkovic, uma das sócias, foi uma das juradas do programa.
Como você percebia o mercado de A&B em relação à corpos da diversidade presentes em 2010?
Em 2010, longe da barra já algum tempo, eu era frequentador de várias casas noturnas, mas nunca mais vi um bar como o que eu havia trabalhado onde o forte eram os coquetéis. As pessoas que frequentavam esses espaços, estavam mais envolvidas com os combos de energéticos com destilados e os baldes de cervejas variadas.
Os bartenders se resumiam a homens héteros, mesmo em casas gays, se limitavam a te servir a cerveja disponível ou alguma dose de bebida destilada, não tinham uma carta de coquetéis e não se importavam em bem servir, mulheres eram poucas e suas figuras eram objetificadas como apenas enfeites nos bares, só lhes era permitido o
setor de água e refrigerantes, nunca servindo doses ou confeccionando coquetéis, pessoas da diversidade só ocupavam esses postos em lugares bem underground, onde a bebida era servida em copos de plástico e quente.
Como você percebe, agora, o mercado de A&B em relação aos corpos da diversidade presentes no momento?
Hoje percebo que as mulheres principalmente, têm ocupado e se destacado mais nesse espaço, embora o machismo arraigado ainda faça piadinhas de mau gosto quando as mesmas não estão por perto. Quanto às pessoas da diversidade, elas ainda têm que provar sua competência várias vezes para serem respeitadas e valorizadas no meio, infelizmente ainda há homens cis que não admitem que um homem trans por ter seu sexo biológico feminino, sejam melhor que eles, e dentro do espaço da barra acabam menosprezando e impedindo que os mesmos desenvolvam suas habilidades, como se eles próprios tivessem nascido sabendo e esqueceram-se que o começo de uma profissão é igual para todos.
Como foi a sua vivência no bares do início da sua carreira até o momento?
No início lá em 2001, eu me sentia muito a vontade e feliz com meu novo trabalho, eu estava aprendendo coisas que além de me dar prazer em fazer tinha muita relevância para quem quer ser um bom profissional.
Após tanto tempo longe e com essa volta repentina a barra eu estou vivenciando tudo de novo, só que de uma forma mais comprometida, buscando a qualificação necessária para que em um futuro próximo eu possa desenvolver meu potencial máximo dentro desse segmento, consiga galgar os degraus da carreira com excelência e seja reconhecido pela competência no que faço. Meu curso de turismo me trouxe o conhecimento da hospitalidade e bem servir e coincidentemente, esse é o mesmo lema da coquetelaria. Você sofreu algum tipo de abuso, rejeição ou preconceito por parte de colegas profissionais ou superiores imediatos? E quanto ao público consumidor?
Minha vida sempre foi cercada por preconceito, desde o momento que me entendi como gente senti que era diferente dos demais, e isso sempre foi o motivo pelo qual nunca consegui adentrar o mercado de trabalho pela porta da frente, quando tinha aparência feminina sempre fui assediada pelos superiores que queriam uma forma de me fragilizar para me ter sob controle, demonstrando que se eu não cedesse seria demitida, quando minha aparência se tornou andrógena eu não me encaixava em nenhum padrão, portanto não servia para ficar em contato direto com o público, e depois que consegui características masculinas se quisesse um emprego teria que
aceitar todo o machismo envolvido na profissão senão não era considerado homem suficiente. Assim fica difícil!
Como você reage em geral à situações de exclusão ou distanciamento por ser uma pessoa diferente do seu meio em geral?
Com o tempo e a vivência eu aprendi que as pessoas dizem e pensam o que querem a nosso respeito, então aprendi a me blindar para que nenhum comentário ou atitude por pior que seja não me atinja, as pessoas são cruéis e ao mesmo tempo tem medo de que você seja tão competente quanto elas, pois a comparação às fará iguais a você.
E sendo iguais não poderão atacar de nenhuma forma, pois se o fizerem, estarão atacando a si mesmas. Falem bem ou falem mal… Fale de mim, pois quanto mais em evidência eu estiver, mais poderei ajudar os meus!
Conta pra gente um momento de vitória em que você pôde atuar contra alguma atitude abusiva, excludente ou preconceituosa contra pessoas (ou você) por pertencer à diversidade LGBTQIA+.
Todas as vezes que um hétero-cis-normativo fica sabendo que sou trans aí faz aquela cara de ponto de interrogação e ainda tem a pachorra de dizer… Mas você não parece trans… E eu respondo o que é parecer trans?! É ter um letreiro em cima da cabeça com uma seta indicando sou trans?!
Principalmente quando estou com pessoas que querem fazer comentários machistas ou homofóbicos e acham que por causa da minha passabilidade estarei de acordo com eles, adoro desmoralizá-los e dizer-lhes que este tipo de comportamento não é mais aceitável e que apesar da “passabilidade”, me orgulho de ser uma pessoa trans e quero ser respeitado como qualquer outra pessoa.
Quais conselhos você daria para os nossos colegas de trabalho em relação ao tratamento de pessoas para evitar atos de desrespeito, crimes de preconceito, bullying e abusos contra qualquer tipo de pessoa?
Se você se incomoda com a identidade de gênero, orientação sexual e aparência do outro… Vá se tratar porque o problema é seu! Viva sua vida e deixe a vida do outro vivida por ele…
Procure aprender ao invés de julgar, ser empático não é fácil, mas se você conseguir pelo menos por um instante se colocar no lugar do outro seja ele quem for, que sabe você comece a construir uma nova visão de mundo, onde aquilo que incomoda, pode ser um sentimento reprimido e lhe falta coragem para se libertar e deixe viver!
Se você pudesse voltar no tempo, olhar pra si mesmo com 8 anos de idade, qual conselho você se daria pra encarar o seu futuro?
Nunca deixe de estudar e seguir seus sonhos! Por mais que as pessoas digam que com esse jeito você nunca será ninguém, com estudo você consegue mudar as regras desse jogo da vida que nem sempre é justo, mas que te dá possibilidades para mudá-lo… Não desista nunca! Se você não se amar e se aceitar, ninguém o fará! Portanto erga a cabeça e siga em frente, e só olhe pra trás para se lembrar de onde você veio!
Qual coquetel clássico na história você escolheria para se homenagear com Orgulho e porquê?
Eu escolho o Cosmopolitan como o clássico que me representa, pois o mesmo vem transicionando desde 1930. Sua criação já foi atribuída nos anos 70 à comunidade gay de Provincetown, Massachusetts, nos anos 90 ele vem empoderar às mulheres através da série Sex and the City, a receita que é reproduzida hoje criada por uma bartender em 1986 (Melissa Huffsmith).
Para mim, sua cor rosa e, o total equilíbrio entre seus ingredientes vem de um aperfeiçoamento de décadas, como o movimento LGBTQIA+ que passou por várias transições e acontecimentos com pessoas que sofreram na pele as consequências da luta pelos direitos que hoje eu posso usufruir.
Qual a sua mensagem de inspiração para as próximas gerações de bartenders dos próximos 10 anos?
Acreditem no seu dom, se qualifiquem para desenvolvê-lo, e acreditem… O ser humano é o ingrediente mais importante.
Frisante Brutal
70 ml de gin Beefeater 24
20 ml de suco de laranja bahia
2 framboesas
1 rodela de pimenta dedo de moça
140 ml de água tônica de limão
Modo de preparo: macere bem a framboesa com a pimenta na coqueteleira acrescente o suco de laranja e o gin. Bata tudo com gelo e coe duplamente, complete com a tônica de limão e use como guarnição um ramo de capim santo.
O Mixology News realiza em 2021 o Mês da Diversidade no Bar para informar e valorizar a diversidade de bartenders durante o mês do Orgulho LGBTQIA+.
A campanha traz diversas entrevistas com bartenders no portal, lives diárias com influenciadores e autoridades na causa no instagram e um webinar no youtube com bartenders.
Idealizado pelo Mixology News em parceria com o bartender Thomas Souza e com apoio de Cointreau, o licor de laranja mais famoso do mundo, produzido na França e importado pela Interfood Importação.
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