O Licor de Pequi é o verdadeiro licor do Cerrado, consumido em pelo menos 13 estados brasileiros

Ah, como é bão bebericar pequenos tragos de licor. E quando é uma receita tradicional de família então? Em alguns estados brasileiros, houve um tempo que era praticamente uma ofensa não servir o “cumpadi”, “cumade”, ou convidado no geral com um ou dois “dedin” de licor.

Em tempos difíceis, muitas vezes com baixo poder aquisitivo e muita simplicidade, esses licores eram compostos por alguma fruta abundante, mel ou açúcar, e, algum espírito oriundo de alambique próximo. Normalmente preparados com frutas sazonais, onde a técnica de preparo do licor seria uma das maneiras de conservação e preservação para poder sentir a preciosidade dos sabores e aromas ao longo do ano.

Aliás, preservação e preciosidade são a chave de tudo! Por isso vou afunilar este universo etílico para o único, o autêntico, o inconfundível, o inigualável Licor de Pequi: O Verdadeiro Ouro do Cerrado! 

Do plantio à colheita, um Pequizeiro leva ao menos quatro anos para iniciar a floração, que ocorre de agosto a novembro, com o desabrochar de flores dotadas de cinco pétalas brancas grandes. Após a mágica e bem sucedida etapa da polinização realizada principalmente por morcegos, ocorre a frutificação entre outubro a janeiro.
Cada árvore rende aprox. 6 mil frutos por ano. Ou seja, é Pequi “pá mai di metro”.Quem inicia o preparo do Licor de Pequi deve ter em mente que não é uma missão rápida pois há vários fatores que devem ser levados em consideração: é fundamental conhecer a origem e qualidade dos ingredientes, técnica a ser adotada no preparo, tempo de maceração e um ótimo método de filtragem.

Conhecer a procedência do pequi é de suma importância, para que não acabe comprando de extrativistas inconsequentes que desrespeitam ao meio ambiente. Vale mais fortalecer cooperativas e associações que realizam a coleta e distribuição, comunidades locais que fazem o beneficiamento, pequenos agricultores familiares, feirantes, enfim, pessoas que realizam o trabalho com consciência e ética.

Há o consenso de um tempo mínimo de um a dois meses de maceração do Pequi em álcool (seja cachaça, vodca, álcool de cereais ou conhaque) para que seja concentrado em sabor, cor e aroma. Muitas famílias relatam que quanto mais tempo “curtido” melhor fica podendo manter a infusão por “anos a fio”. O fruto deve ser coletado após cair no chão, um sinal que j á atingiu a maturação ideal, com a predileção pelo pequi de polpa espessa, caroço grande e cor amarelo-alaranjado.

Este processo de maceração do pequi no álcool costuma ser feito com ou sem açúcar (cristal, refinado, rapadura, mascavo, demerara etc.) e a técnica optada com os ingredientes selecionados impacta diretamente no resultado e a qualidade do licor.

Quando a maceração é feita sem a adição de açúcar, popularmente é chamada de “extrato de pequi” e após a filtragem é feito uma calda de açúcar de proporção variável entre 1:1 a 2:1 para adoçar e diluir o Licor de Pequi.

A filtragem é uma das etapas mais delicadas e requer paciência pois devido à alta quantidade de óleo do fruto, o extrato ou licor fica turvo e/ou bifásico. O filtro de café ou o coador de pano são os melhores amigos neste momento. E é preciso muita calma nessa hora pois às vezes uma filtragem não é capaz de remover toda a sedimentação. Quanto mais filtragem, mais clarificado irá ficar. Logo, quem curte mais “rusticão” não precisa fazer o processo repetidas vezes.

Tradicionalmente, utilizando qualquer uma das técnicas é praticamente mandatório deixar a bebida maturar algumas semanas ou meses antes de ser consumida. Todos os recipientes e utensílios em todas as fases de preparo, incluindo as garrafas que o licor ficará armazenado devem ser esterilizados previamente. É normal que após certo tempo de repouso ocorra uma leve sedimentação nas garrafas. Chacoalhe um pouco antes de realizar o serviço para tornar homogêneo o “goró”.Estados como Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Tocantins são tradicionais na produção e consumo destes famigerados licores, que estão enraizados nos hábitos culturais da população. Sabemos que com a desenfreada urbanização e movimento de industrialização, a chegada de maquinário no campo que colaborou com o êxodo rural, a inovação tecnológica, e, a rotina corrida de trabalho deixou o tempo das pessoas cada vez mais curto. Tudo isso afastou um pouco as pessoas daquelas tradições do preparo artesanal caseiro, que hoje passam a ser resgatadas pelos mais saudosistas.

Atualmente o consumo de licores no Brasil é estimado em cerca de 7 milhões de litros por ano. Pena não ter localizado o volume de consumo apenas do Licor de Pequi, porém tendo o conhecimento que ao menos 13 estados brasileiros estão conectados fortemente a esta belezura e os licores são acessíveis em feiras, mercados, empórios, lojas de souvenirs, padarias, bares ou até mesmo pela internet nesse Brasil viril é de se esperar uma fatia desse bolo.

A Legislação Brasileira possui normas e regulamentos que atuam em conjunto para assegurar a qualidade dos produtos, padronização, a classificação, o registro, a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de bebidas. O produtor registrado no MAPA deve se atentar ao Padrão de Identidade e Qualidade (PIC) nas instruções normativas para posicionar o licor dentro das especificações e classificações demandadas pelo Governo Federal.

Você pode ler aqui todo o artigo 67 do Decreto 6.871, que na seção VI que define que “Licor é a bebida com graduação alcoólica de quinze a cinqüenta e quatro por cento em volume, a vinte graus Celsius, com percentual de açúcar superior a trinta gramas por litro” e ainda conhece todas suas categorias licor seco, creme, escarchado ou cristalizado.

O Licor de Pequi já foi relacionado como um produto afrodisíaco e também desejado por suas possíveis propriedades medicinais. De acordo com a legislação brasileira, bebidas compostas com álcool não podem ser aliadas ao status de medicinal, então os produtores devem respeitar a lei pois a bebida alcoólica utilizada sem moderação certamente não trará benefícios para a saúde. Existem produtores que adicionam na formulação do Licor de Pequi outros extratos vegetais como folhas, ervas, raízes e até mesmo outros frutos como pimenta e cacau.

Selecionei 5 marcas famosas de produtos devidamente registrados no MAPA, que são distribuídas para todo o país, apresentando preços de venda para o consumidor final que variam de R$8,45 a R$81,98. No caso, esta lista contempla os produtos que destacam principalmente nosso Ouro do Cerrado, ficando de fora aqueles com outras frutas que disputam informações no paladar. Nenhum deles contém glúten.

Sabemos que grande parte da população é bastante “formigona” então a maioria dos Licores são Creme -meus dentes doem só de segurar as garrafas em mãos. Mas o dever me chama e irei degustar todos! Aí vão eles, por ordem crescente de graduação alcoólica:

Coquetel Alcoólico de Mel e Pequi TEM TUDO 

Produzido pela conhecida empresa ParaTudo, possui 14% de álcool e não é considerado de fato licor devido a sua composição, porém é amplamente difundido no país e apresenta o valor de venda mais baixo de todos, se tornando acessível em todas as camadas da sociedade que apreciam o produto da mesma maneira que um Licor. Produzido em Uberlândia, MG.

Considerações pessoais: apresenta visual amarelo palha, translúcido, sem sinais de sedimentações; aroma doce que remete a mel, caramelo, baunilha e frutado de abacaxi e maçã, há um fundinho de ervas amargas; paladar adocicado e frutado (negativamente com gosto de frutas sintéticas); não apresenta pungência, muito fácil de beber devido a baixíssima percepção alcoólica; retrogosto caramelado, frutado (artificialmente), ervas ou raízes amargas ajudam a tentar encontrar um equilíbrio porém continua sendo um sabor enjoativo para consumir puro. Não remete o fruto de verdade nem de longe.

Conheça a marca Tem Tudo aqui

Licor Creme de Pequi CORBY

Produzido em Montes Claros, MG. Possui 19,4% de álcool. Considerações pessoais: cor acastanhada claro, translúcido, livre de sedimentos, lágrimas densas; aroma doce tipo caramelo, lá no fundo vem um pouco do frutado do pequi; paladar extremamente doce que remete a alguma fruta madura, mas é muito insuficiente no sabor do pequi, que fica tímido; o açúcar mascara absurdamente o álcool, tornando fácil de tragar porém enjoativo após uns goles; retrogosto marcante de caramelo e um frutado que me remete bastante bala de abacaxi. Gostaria que fosse mais intensa a presença do nosso Ouro do Cerrado.

Conheça a marca Corby aqui

Licor Creme de Pequi TERRAFORTE

Produzido em Presidente Juscelino, MG possui teor alcoólico de 20% vol. Considerações pessoais: visual de cor âmbar, sem a presença de sedimentos, translúcido; glória a Deus finalmente consigo sentir aroma de pequi marcante e agradável, do fruto maduro, com notas de mel silvestre, alta cremosidade e uma untuosidade que envelopa a mucosa da boca (características trazidas pelo fruto de verdade, sem artimanhas da indústria), é possível sentir o sabor da Cachaça; retrogosto persistente do pequi, dulçor que remete a mel e caramelo. Embora a meu ver poderia ser um pouco mais alcoólico, é o primeiro da lista que enxergo bom potencial para a alta coquetelaria.

Conheça a marca Terra Forte aqui

Licor Creme de Pequi DOM TÁPPARO

Produzido em Mirassol, SP. Tem de 20% GL. Considerações pessoais: seu visual amarelo quase neon remete a ouro (coloração visivelmente artificial que tira um pouco do tesão de beber), sedimentos ao fundo da garrafa são encontrados mas não deixa de ser translúcido; aroma doce, de fruta sintética como abacaxi ou algo do tipo; há uma maior percepção de álcool em relação aos demais degustados previamente; tem boa viscosidade e sabor de caramelo, maçã, fruta amarela madura (porém é aquele “gostin” artificial); não chega a ser pungente mas ao deglutir fica mais presente o álcool; o retrogosto embora doce e frutado não remete ao Pequi original. Para uma coquetelaria popular e descompromissada pode render boas brincadeiras, mas não consigo enxergar potencial para uma alta coquetelaria.

Conheça a marca Dom Tápparo aqui

Licor de Pequi RÈGIS ARMMONT

Produzido em Brumadinho, MG. Possui 26% de graduação alcoólica. Considerações pessoais: sua cor remete sutilmente ao cobre, apresenta uma baixa concentração de sedimentos e mantêm aspecto translúcido; aroma de pequi maduro, presença da Cachaça com um toque sutilmente amadeirado, possui uma textura aveludada e untuosa; acredito que seja o mais equilibrado dos Licores degustados; seu retrogosto é doce mas o sabor de pequi persiste, aliado a uma gostosa untuosidade em boca. Certamente possui potencial para a alta coquetelaria. Cairia bem de highballs a variações de Tiki abrasileirados.

Conheça a marca Regis Armmont aqui

Conclusões Gerais

Estas bebidas podem ser empregadas em preparos gastronômicos, além da “alta” ou da “baixa” coquetelaria. Eles são versáteis na gastronomia e se usados com criatividade podem render bons preparos como: sorvetes, pudins, molhos, emulsões diversas, caramelados, flambados e por aí vai.

Cabe sempre entender o ambiente que está situado, o hábito de consumo dos fregueses e a ocasião de consumo para não correr riscos desnecessários. Na coquetelaria pode ser utilizado para substituir alguma calda frutada; agregado a outros espíritos para maior complexidade em receitas; equilibradas com amargos, pimentas, sais, soluções cítricas ou ácidas; no preparo de espumas etc. Os Licores que eu recomendo para tais preparos são TerraForte e Règis Armmont por serem fiéis e entregarem com consistência o real sabor do pequi.

Um exemplo da excelente aplicação do Licor de Pequi em alta coquetelaria é o “Savana 55”drink abaixo, que esteve disponível no Meza Bar (RJ). Cria de Marco De la Roche, harmonizava sabores regionais brasileiros com vodca infusionada com cumaru, licor de pequi, shrub de caju e suco de limão. Um long drink charmoso embalado em folha de bananeira, com gelo picado e raspas de limão tahiti finalizado com perfume de cumarú.

“-Mas Merlin, tem alguma receita sua com licor de Pequi?”

Bora que bora de releitura do clássico Old Fashioned com nosso admirável Ouro do Cerrado! Desculpe o “trocadalho do carilho” mas não tinha como perder a oportunidade de soltar o “OURO DI FASHIONED”.

Minha ideia foi substituir o uísque americano pela Cachaça de Alambique num blend de Jequitibá Rosa e Bálsamo, trazendo notas florais, amadeiradas e especiadas. Os torrões de açúcar deram lugar ao licor de pequi, com textura aveludada e sabor frutado marcante. O tradicional bitter de especiarias foi substituído pelo Zulu Bitters edição especial de 10 anos do portal Mixology News e o bitter de laranja usei um presenteado pelo monstro Matheus Cunha. Claro que o arremate é um twist de laranja bahia com aqueles óleos perfumados e elegantes. Servido no pelo, sem guarnições.

aprenda a receita

OURO DI FASHIONED

30 ml cachaça envelhecida em Jequitibá
30 ml cachaça envelhecida em Bálsamo
15 ml de licor de pequi Terra Forte
3 dashes de bitter de laranja
3 dashes de Zulu Bitter (ou Angostura)

Coloque todos os ingredientes em um mixing glass com cubos de gelo. Mexa bem até esfriar o coquetel. Faça uma coagem simples para um copo baixo, de preferência com um belo cubão de gelo. Finalize com os óleos essenciais da casca da laranja bahia e aprecie com moderação.

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