Bartenders estrangeiros contam sobre a experiência de morar e trabalhar no Brasil e como eles vem colaborando com a coquetelaria brasileira 

A indústria da hospitalidade é universal, portanto nada mais natural que um intercâmbio de pessoas neste setor. Conversamos com alguns profissionais que vieram trabalhar no Brasil e entender quais impressões eles têm do nosso país.

A cultura de ir a um bar encontrar os amigos, beber um coquetel, celebrar uma data especial, ou simplesmente tirar um tempo para relaxar é algo que está intrínseco na cultura de quase todos os povos. 

Com a globalização e a facilidade que se tem hoje para um fluxo de pessoas e informações, acontece uma troca genuína de experiências, o que reverbera também em tendências. Aqui no Brasil nos últimos seis anos vimos a indústria da hospitalidade crescer, reflexo dos investimentos nas Olimpíadas e Copa do Mundo desta década. 

Este movimento configurou em um maior investimento tanto financeiro como de conhecimento em bares voltados para a cultura da coquetelaria, em que as pessoas poderiam estudar, seguir carreira, participar de concursos e, quem sabe, um dia também abrir o próprio bar. Por outro lado, os profissionais deste setor têm uma flexibilidade maior de trabalho e cada vez é mais comum vermos pessoas do ramo aqui no Brasil irem tentar a sorte em outro país e o ao contrário também. 

Com o fortalecimento do setor, alguns profissionais estrangeiros vieram ao Brasil e, com toda certeza, ajudam a construir uma base mais sólida para uma coquetelaria genuína. 

Conversamos com alguns desses profissionais que vieram de países como o Uruguai, Argentina, Peru, Nicarágua, Colômbia e Itália para saber quais impressões que eles têm e o que eles enxergam sobre o rumo da indústria da hospitalidade no Brasil e quais são os desafios.

Para começar, apesar do cenário político e social um pouco conflituoso que vivemos atualmente, o Brasil segue com a principal característica que é a de ser um país acolhedor. Os profissionais garantem que desde que chegaram foram bem recebidos e uma situação xenófoba, ou preconceituosa é a exceção perante a regra. 

A bartender argentina Andréa Cruz, que atua em Florianópolis, em Santa Catarina, comenta que se apaixonou pela ilha catarinense no momento em que chegou e já no segundo dia estava trabalhando em um hostel como atendente. Andréa afirma que desde o começo todo mundo a recebeu bem e sempre fizeram de tudo para ajudá-la, ao todo ela só contabiliza duas situações ‘particulares’. 

“Uma vez no bar os clientes não quiseram ser atendidos por mim, porque eles estavam irritados falando que eu tinha vindo para cá para ‘roubar’ o trabalho deles (brasileiros)”, comenta Andréa sobre o momento e garante que essa foi a situação mais ímpar que teve em cinco anos que mora no Brasil. 

A língua portuguesa e os nossos costumes ‘calorosos’ também são fatores que causam um pouco de estranhamento ao pessoal que vem de fora. De acordo com o chefe de bar do Kia Ora Ernesto Lara Elizondo, o Nica – apelido que vem do país natal Nicarágua, o português é algo difícil de ser compreendido no começo. “O pessoal aqui de São Paulo fala muito rápido, então eu tinha dificuldade às vezes com isso…tem essa barreira, que o Brasil é o único país da América Latina que fala português”, lembra Nica. Andréa também relembra que estranhou quando chegou o nosso ‘jeitinho’ carinhoso. “Na Argentina a gente se comprimenta com um beijo e acabou aí, aqui o pessoal abraça… não tava acostumada com isso, fora que às vezes eu falo alto e as pessoas acham que estou brava, mas é o nosso jeito de falar, bem herança da nossa colonização italiana e espanhola”. 

Os motivos que trazem o pessoal ao Brasil são os mais variados: estudos, faculdade, casamento com brasileiros e amor à primeira visita mesmo. Muitos dos bartenders, inclusive, descobriram a profissão no nosso país, como é o caso do uruguaio Fabián Martinez, do Creative Bar, que está há 16 anos no Brasil. 

Fabián começou a estudar direito, porém não se identificou muito com o curso e desde jovem gostava da rotina de trabalho do avô, que tinha um bar na Uruguai. Veio para o Brasil conhecer o país e exercer trabalho de bar, tentar o sonho de ser barman. 

“Sempre quis vir pra cá por ser um país tropical e imaginava que iria conhecer tudo sobre coquetelaria, drinques, piña colada…” relembra Fabián, que logo no primeiro ano no Brasil ficou sabendo da inauguração de uma escola de bartenders em Florianópolis que, segundo o uruguaio, era a primeira voltada para o setor na América Latina.

De lá pra cá, Fabian se desenvolveu como bartender, como sempre sonhou, e passou por capitais como Porto Alegre, Belo Horizonte, até se instalar no Rio de Janeiro em 2007, local em que estabeleceu raízes e também o próprio bar. 

Outro também que construiu carreira no Brasil foi o chileno Ricardo Fuenzalida, diretor do Cocktail Channel. Ricardo, também conhecido como Puma, estava com a passagem comprada para ir para a Alemanha quando conheceu uma brasileira que se tornaria sua parceira da vida.

Ricardo desistiu de seguir destino para as terras germânicas e quando chegou ao nosso país também esbarrou na língua portuguesa. “Não sabia falar nada de português e cheguei em uma época em que tinha bastante formatura, comecei a trabalhar nesses eventos e fui pegando os contatos”, relembra Fuenzalida, que na sequência começou a estudar para ser flair bartender e conseguiu se estabelecer no setor, hoje sendo formado também em hotelaria e mídias sociais. Do nosso cenário atual, os profissionais acreditam que no Brasil tivemos um salto na coquetelaria nos últimos anos e que cada vez mais a tendência é de se estabelecer um cenário consolidado. 

O uruguaio Fabián Martinez relembra que quando chegou o que mais causou impacto foi perceber que no Brasil tinha a cultura de batidinhas e coquetéis muito doces. “No Uruguai, por causa da minha família ser de descendentes italianos, a gente bebia muito Campari, vermute e a galera jovem estava habituada a beber gin, aqui era tudo muito doce, e até o público masculino achava que coquetel era coisa só de mulher”, relembra. 

Para Fabián, o cenário mudou bastante de uns seis anos para cá e hoje está cada vez mais comum o público estar receptivo com um Negroni, um Martini. “Tinha uma barreira por parte dos homens, e da cultura brasileira e o pessoal achava ruim um uruguaio ficar palpitando o que o pessoal tinha que beber, e até a caipirinha, eu, um uruguaio, tinha que levantar a bandeira de que caipirinha é com cachaça e não vodka”, comenta Martinez relembrando dos atendimentos no balcão. 

Nica também pontua a evolução da coquetelaria brasileira: “Hoje é nítida a evolução anual e inclusive quando comparamos com o mercado de fora cada vez mais é perceptível o quanto estamos nos aproximando e que o mercado de fora também está curioso de saber o que estamos fazendo aqui”, comenta o nicaraguense. 

O italiano Nicola Bara, que está há quatro anos no nosso país, também percebeu um pouco da evolução que tivemos nos últimos tempos. De acordo com Bara, que antes de vir para o Brasil trabalhou por três anos em Londres, a impressão que ele teve quando chegou era de que as estruturas de bares eram bem precárias.

“É uma coisa que já está mudando hoje em dia, nos quatro anos que estou aqui eu vi uma grande melhoria em investimento e também em bares mais eficientes, com equipamentos mais apropriados”, pontua o chefe de bar do Micro Bar, do Rio de Janeiro. 

Bara também acredita que existe uma tendência de valorização de insumos brasileiros e que a coquetelaria nacional vai caminhar para um perfil mais confiante e genuíno. “Tinha pouca valorização dos insumos, mas hoje em dia está mudando…mas existe uma dificuldade de descobrir fornecedores de frutas nativas, o Brasil tem uma biodiversidade enorme só que ainda tá difícil trazer isso pro bar”, pontua. 

Outra dificuldade que a maioria dos bartenders se queixam sobre o Brasil é a alta taxação de impostos em cima dos produtos, que acabam dificultando o trabalho dos profissionais, que se veem no aperto para conseguir os insumos para o bar. 

O bartender colombiano Luis Jaramillo, do Guilhotina Bar, relembra a dificuldade de se achar insumos no nosso país, principalmente com relação a cidades que não são grandes metrópoles, já que o profissional trabalhou no interior de Minas Gerais, terra natal da esposa do bartender. 

“A indústria do interior não funciona tão bem como nas capitais, tanto de profissionais capacitados, como apoio das grandes marcas e os custos das bebidas no interior são muito maiores”, conclui o bartender colombiano. 

ESPECIAL POR GIULIA CIRILO PARA O MIXOLOGY NEWS

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