Construir um ambiente de baixa rotatividade profissional – o tal do turnover, me rendeu um portfólio incrível de colegas e é isso que você precisa entender.

Lembro-me da visita surpresa, da cara de espantado do Marco De la Roche e da frase que seguiu a expressão curiosa do seu rosto:

“Não para de pipocar gente boa atrás do seu balcão, Leo!”.

Era 2017, eu estava no segundo mês da minha primeira consultoria e tinha, realmente, uma  equipe dos sonhos. O mais surpreendente foi o tempo em que essa equipe se manteve sólida, mesmo depois do fim da minha parceria com o bar, lá pelo final de 2018.

Aquele bar (Trabuca) mudou, o mundo mudou, mas ainda hoje você encontra entre suas fileiras de bartenders, agora espalhados por 3 estabelecimentos do mesmo grupo, alguns dos integrantes da lendária equipe de 2017, mesmo que o cenário atual não seja tão favorável como naquela época.

Construir um ambiente de baixa rotatividade profissional – o tal do turnover, me rendeu um portfólio incrível de colegas que, curiosos quando anuncio um novo projeto, me procuram animados para atuar neles, mesmo quando os bares mal possuem uma pia que se sustente sozinha – consultoria na maioria das vezes é isso, solucionar problemas.

Claro que existem fatores que não controlamos quando falamos de turnover. Um grande exemplo é a atual crise sanitária desencadeada pela pandemia de COVID-19. Mas até nesses momentos podemos usar ferramentas que nos ajudam a agir contra as variáveis que podemos controlar, preparando um terreno mais saudável e eficaz quando pudermos trabalhar em 100%.

Enxergue a equipe como pessoas e não números

Enquanto números os colaboradores tem apenas deveres: cumprir escala, desempenhar papeis, seguir processos, serem produtivos. Eles existem dentro do seu período de trabalho e só.

Mas quando olhamos para o profissional como uma pessoa entendemos que ele também tem demandas pessoais: sustentar famílias, acompanhar o desenvolvimento dos filhos na escola, o aluguel de um apartamento ou as parcelas de um carro. Por esse ângulo é possível perceber que mesmo com os mesmos estímulos, eles respondem de formas diferentes.

Reconhecer seu pessoal como gente de verdade exige conhecer a todos individualmente, mas de forma profissional e não, não é preciso inventar a roda pra isso. A gestão de pessoas, sempre se beneficiou dos estudos das diversas áreas da psicologia e não é difícil encontrar testes de avaliação de comportamento.

Baseadas em uma teoria do psicólogo Dr. William Moulton Marston em seu livro “Emotions of Normal People” de 1928, essas avaliações buscam identificar quatro tipos básicos de comportamento: Dominância, Influencia, Estabilidade e Conformidade.

Porém, como nossa individualidade é mais complexa que isso, os testes não tem caráter cientifico e não substituem a avaliação de um profissional como psicólogo ou psicanalista mas, podem sim, ser ferramentas úteis, apontando certas direções como tendências a reagir melhor (ou pior) quando sob pressão ou a ter desempenho melhor (ou pior) quando a situação exige criatividade, por exemplo. Você pode consultar alguns desses testes aqui 

Além delas, uma técnica simples, como separar alguns minutos de conversa franca ao mês, sem julgamento, para ouvir de fato as frustrações, angustias e necessidades de cada funcionário pode revolucionar a sua empresa. Essas conversas podem trazer luz a problemas simples de grande impacto – como a necessidade de mudar a forma de servir a refeição dos funcionários e/ou a inclusão de opções vegetarianas a ele – ou por em pauta necessidades mais pontuais – como identificar o momento ideal para implantar um comitê de diversidade.

Se essas mecânicas (teste comportamental e conversa franca mensal) forem aliadas podem resultar em melhores tomadas de decisões e potencializar resultados. Afinal é muito mais fácil solucionar uma insatisfação quando você além de conhecer o problema, sabe a melhor forma de estimular seu companheiro de trabalho ou como ele tende a se comportar diante de um desafio.

Ouvir o que as pessoas tem a dizer também traz a oportunidade de celebrar o indivíduo, envolvendo-o em ações de importância para a companhia. Uma troca: “eu te digo quais são minhas ambições, você me conta quais são as suas e nos ajudamos a atingir nossos objetivos”.

Quando as ações resultarem em destaque, divida o palco e jogue os holofotes sobre os esforços do trabalho colaborativo, deixe que todos colham o reconhecimento por seus esforços enquanto você colhe os resultados de um maior engajamento.

Avalie pela visão da equipe

Outra forma de processar o relacionamento interpessoal e aprimorar as colaborações da equipe é permitir que eles se avaliem. Cuidado aqui, a intenção não é repreender ou desmoralizar e é ainda menos importante saber quem avaliou quem.

Saber como cada colaborador avalia os seus lideres, pares e a si mesmos (a famosa avaliação 360) nos dá a capacidade de entender a diferença de visão de acordo com cada função, pontos positivos e pontos que devem ser trabalhados (individualmente ou em grupo) para que haja melhora nas interações ou operação e até pontos que causam desinteligência entre as partes.

Segue o link para uma avaliação de lideranças e uma de colaboradores, ambas feitas pelo forms do google. A ferramenta é simples de editar e fornece (ao editor) gráficos e tabelas com a leitura das respostas.

Avaliação de Desempenho para Lideranças

Avaliação de Desempenho para Colaboradores

É aqui que você passa a entender que sua brigada é um organismo vivo que age de forma conjunta tanto como de forma independente e que, para “funcionar como um reloginho”, cada peça precisa da sua devida atenção/manutenção além de ser preparada para lidar com as demais peças sem que elas se atrapalhem.

“Mas Leo, essa é uma tarefa do departamento pessoal, do R.H.”. Bem, na verdade, é uma tarefa de quem se propõe a gerir pessoas e se depara com um dos ativos mais valiosos de uma empresa: seus colaboradores. Em um mundo ideal a parceria entre o gestor de operações/bar e o departamento pessoal é orgânica mas ainda é incomum ver essas áreas trabalhando em conjunto, ainda mais em tempos de crise, quando muitas vezes não existe um departamento pessoal. Então é melhor estar preparado.


Clareza como melhor amiga

Medo de expor seu faturamento e seus custos para os funcionários? Deixa eu te contar um segredo. A ferramenta mais útil na “lavagem cerebral” que grandes franquias de restaurante fazem em seus colaboradores é, justamente, a clareza de informações. Lá, todos os dias, eles revelam o faturamento no fim de cada plantão e tem um motivo muito simples pra isso, Incentivo. Não a toa é possível encontrar pessoas com 15 ou mais anos de empresa ainda acreditando trabalhar no melhor restaurante do mundo, mesmo fazendo parte de algo semelhante a um fast-food.

As lojas estabelecem metas diárias, mensais, anuais e comemoram cada conquista como um titulo de campeonato. Cansei de ver garrafas de espumante sendo abertas no final do dia, pelo proprietário da casa, presente na comemoração da meta. A gana de cada funcionário em obter os melhores índices de venda, em busca do bem em comum e do próprio é comparável à lealdade do companheiro espartano que segue lado a lado o rei Leonidas no filme 300.

Em tempos onde bares retiraram o beneficio da caixinha e repassam uma quantia qualquer de acordo com os seu caprichos enquanto nos compelem a trabalhar 12 horas para receber por apenas 6 e todos temos medo de se rebelar por não saber se teremos como por dinheiro a mesa, a honestidade nas informações pode representar baixa rotatividade ou o retorno de ótimos profissionais (ainda mais engajados) quando tudo isso passar.

Quanto mais clara e adiantada sua escala, menores os problemas com atrasos e faltas. Quer aprimorar isso? Disponibilize uma agenda onde os colaboradores possam pedir folgas ou horários específicos (caso seu negócio tenha dois períodos) e pare de ter reclamações com escala.

Exponha custos e os impactos que eles tem sobre o investimento em novas tecnologias ou no reparo de maquinário ou estrutura e, eu garanto, não existirá ninguém que não compre a briga de economizar os guardanapos.Fale a língua do outro

Se essas informações passarem sem boi na linha, vitória! Um dos maiores problemas que encontro em todas as operações, também o mais difícil de resolver, é a falha na comunicação. Isso acontece porque, na maioria das vezes, achamos que o problema de comunicação é causado pela inaptidão do menos instruído quando, na realidade, ela é causada por falta de empatia do mais capacitado.

Empatia é a habilidade de se colocar na pele do outro, de entender suas dificuldades, de enxergar a vida através dos olhos do outro e isso, caro leitor, é descer do pedestal.  Para quem ralou para olhar de um ponto de vista “acima” descer a escada para olhar na mesma altura do outro pode incomodar. Essa, aliás, deveria ser a principal característica de todo gestor, a capacidade de suprimir as dificuldades de comunicação entre ele e o outro.

Nenhuma das ferramentas acima funciona sem que a empatia seja aplicada na comunicação. Todo o processo para criar um ambiente de baixa rotatividade cai por terra se qualquer um dos membros da sua equipe levantar de uma conversa (reunião, treinamento ou leitura de comunicado) sem entender o que é discutido ali.

Portanto use as mecânicas com sabedoria, conheça sua equipe como as pessoas e profissionais que são, escute suas demandas, planeje ações para o ajuste do ambiente de trabalho, use informações como incentivo sendo claro e não deixe de abusar da empatia para que todos estejam a par de tudo.

Não se engane, o turnover é inimigo do desempenho do seu bar/restaurante e profissionais que se sentem respeitados e escutados vestem a camisa por mais tempo e com muito mais gosto. Parece óbvio? Pois é, as vezes o óbvio também precisa ser dito.

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