A coquetelaria vive de alimentos frescos e o desafio de evitar a deterioração de alimentos dentro do bar
Você deve ter a definição de que os alimentos frescos, também chamados de alimentos in natura, são aqueles que estão prontos para consumo sem passar por qualquer alteração depois que saem da natureza. Mas e o suco de limão “fresquinho” que você acabou de fazer pro bar? Ele também é um alimento fresco, não acha?
Quando falamos de alimento fresco estamos nos referindo ao fato de que ele não sofreu nenhuma das reações deteriorantes, estando aptos para consumo.
Para um bar por exemplo, os alimentos são produtos de comercialização e necessitam de toda a atenção e cuidado para que mantenham o sabor, textura, suculência, aspecto e principalmente a segurança alimentar adequada, conforme o Regulamento Técnico de Boas Práticas para serviços de alimentação da ANVISA, (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Com o aumento da população, tornou-se necessário o aumento da produção de alimentos e, consequentemente, métodos cada vez mais eficazes de manipulação e armazenamento de alimentos a fim de evitar sua deterioração e contaminação.Mas o que é a deterioração de alimentos?
A deterioração de alimentos é um processo complexo que não é causado por apenas uma causa específica, podendo envolver causas biológicas, físicas ou químicas, que geram modificações sensoriais, na estabilidade e seguridade do alimento.
A vida útil dos alimentos de origem animal é muito curta sendo obrigatório armazenamento sob refrigeração. O mel é a única exceção por conta de sua composição: (altas quantidades de açúcar + pouca água). Essas características impedem a proliferação de microrganismos no mel.
Mas Bianca, no meu bar só uso mel para o Bee’s Knee’s. Quanto tempo esse mel pode durar no bar?
De acordo com o MAPA, a estabilidade do mel é de até dois anos, após isso, iniciam-se alterações em sua consistência, coloração, aroma e sabor. Porém, o mel pode durar mais, se bem conservado. Então pode etiquetar aquele teu pote de mel uma vez só, com a etiqueta de validade (exemplo abaixo) pra dois anos que tá sussa. Porém, essa lógica é invertida com a adição de água. Onde a água de mel ou xarope de mel torna-se um ótimo local para o desenvolvimento de microrganismos, o que diminui a sua vida útil para de 03 a 07 dias.
A baixa vida útil dos alimentos deve-se à atividade de diversos agentes, em destaque aos microrganismos que disputam com o homem uma verdadeira corrida para ver quem chega primeiro no alimento. O desenvolvimento de microrganismos nos alimentos, muitas vezes, os torna inapropriados para o consumo humano pois quando a taxa de microrganismos atinge certos níveis, eles provocam alterações sensoriais profundas como a liberação de aromas desagradáveis/anômalos, acúmulo de ácidos, aparecimento de limosidade ou até alterações físico-químicas que tornam o alimento inadequado para o consumo. Além disso, alguns microrganismos podem gerar subprodutos que vão se acumulando nos alimentos e que podem vir a ser tóxicos para o homem causando doenças.
O exemplo mais recorrente de microrganismos em alimentos é a Salmonella nos ovos. Há quem defenda que o sour com clara de ovo in natura fica mais gostoso, porém é um enorme fator de risco para desenvolvimento de Salmonelose. Eu prefiro mil vezes utilizar uma albumina sem sabor em pó,(foto acima) que está totalmente estável e tem 30 dias de validade e hidrata conforme necessidade a cada 3 dias.
É um preparo a mais no bar? Sim. É preciso dominar a técnica de agitação para conseguir um bom resultado? Também, porém muito mais seguro.
Porém, mesmo que os alimentos fossem um ambiente infértil para desenvolvimento de microrganismos, sua vida útil não seria indefinida pois eles são portadores de outros agentes de alteração: as enzimas. As enzimas fazem com que reações químicas aconteçam e/ou funcionam como catalisadores, aumentando a velocidade com que elas acontecem.Um exemplo prático é o motivo pelo qual não devemos cortar a parte verde do morango com uma faca e sim, arrancá-la com a mão, girando,torcendo o cabo e preservando a pate interna intacta. O corte faz com que enzimas iniciem a degradação de componentes específicos, diminuindo o tempo de vida dos morangos e aumentando o desperdício no seu bar. Um morango exposto pode ser acometido por um fungo esporulado que pode causar intoxicação.
O nosso corpo produz diversas enzimas que auxiliam na nossa digestão, como as lipases, amilases (carboidratos), proteases (proteínas) e assim vai. Pessoas com intolerância a lactose (açúcar do leite) podem ingerir as enzimas (lactase) para que consigam digerir esse açúcar sem gerar desconfortos. Elas são essenciais para a nossa vida, porém nos alimentos são um fator de risco pois em sua quebra das ligações ela pode desencadear outras reações.
Por último, e não menos importante, temos as reações químicas que também provocam alterações nos alimentos. Entre os de natureza física existe a luz solar e as temperaturas elevadas, que facilitam a oxidação do vermute – sim, o vermute DEVE ser armazenado sob refrigeração.
Mas Bianca, no meu bar nós vendemos uma garrafa de vermute por dia. Precisa mesmo? OK, OK, nesse caso a oxidação será tão mínima que não dará tempo do cliente sentir alterações, então nesse caso tá liberado!
A temperatura é um fator que merece destaque no que compete a conservação. Imagine uma ilha de caipirinhas num local muito quente, em quanto tempo essas frutas iniciam seus processos de degradação? Muito antes que um local de clima mais brando, certo?Os agentes químicos capazes de alterar os alimentos são diversos, podemos citar os ácidos e o oxigênio atmosférico, que participa de todas as reações de oxidação entre os componentes do alimento – novamente cito o exemplo do vermute, que deve ter o mínimo de contato a fim de mantermos as características sensoriais do produto. Afinal de contas, ninguém quer servir (e nem beber) um negroni estranho, não é?
Portanto, para aumentar a vida útil do alimento, é necessário lutarmos contra diversos agentes de alteração para que consigamos conservar o alimento de forma adequada. A ação enzimática também afeta as frutas gerando o seu escurecimento. Para evitar que isso aconteça, uma simples adição de produto com pH ácido, como o suco de limão ou de laranja já auxilia a evitar o escurecimento enzimático.
Contra os agentes químicos e físicos é fácil lutar. Contra a luz, recomenda-se o uso de embalagens opacas ou que protejam da exposição a ela – vide garrafas de vermutes, cervejas e vinhos. Contra o oxigênio pode-se usar tecnologia a vácuo. Contra a temperatura, utiliza-se refrigeração ou congelamento. Porém, a luta contra os agentes biológicos – como microrganismos e enzimas – é muito mais difícil, sendo que a maioria dos métodos de conservação de alimentos foi pensado ou aperfeiçoado justamente para destruir microrganismos ou inibir seu crescimento.
Para que os microrganismos possam alterar os alimentos é preciso que entrem em contato com ele e multipliquem-se. Assim, existem três estratégias:
Primeiro, impedir que os microrganismos cheguem ao alimento.
Depois destruí-los, caso tenham conseguido chegar ao alimento.
Por fim, impedir sua multiplicação.
Quanto a primeira estratégia, esqueçam. É impossível. Mesmo com aplicação de normas higiênicas e emprego de boas práticas de fabricação, podemos minimizar a contaminação, porém nunca a evitar. Nunca.
A segunda estratégia é conseguida através de tratamentos térmicos e diversos outros processos, como por exemplo a adição de água com cloro para higienizar frutas e ervas. Já a terceira estratégia é a modificação das condições ambientais aos microrganismos, impedindo assim o crescimento microbiano.
Como a diminuição de água do alimento (desidratação); diminuição da temperatura (refrigeração ou congelamento); adição de ácidos (adição de conservantes); modificação de atmosfera (vácuo).
A maioria desses métodos citados é seletiva; eles não afetam igualmente todos os microrganismos presentes e, portanto, a única coisa que fazem é aumentar a vida útil do alimento. Desses métodos, apenas o congelamento e a redução da atividade de água (em breve falamos sobre a água) a valores menores que 0,6 inibe totalmente o crescimento microbiano. Portanto, a maioria desses métodos são utilizados de forma conjunta e não isolada.
Retirado do livro: Tecnologia de Alimentos (Vol1) – Componentes dos alimentos e processos.
Dentro do ambiente de bar utilizamos algumas técnicas igualmente à indústria de alimentos, como a refrigeração, congelamento, desidratação, adição de solutos, vácuo, adição de ácidos, adição de álcool, adição de conservantes e antioxidantes além do acondicionamento correto de cada alimento.
Nas próximas postagens iremos contextualizar sobre os componentes dos alimentos para que possamos compreender o que os levam a ter uma vida útil reduzida e de que forma podemos estendê-la.
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