Compartilhar e baixar livros de autores brasileiros através das redes sociais fere o princípio dos Direitos Autorais da Constituição e pode levar usuários à cadeia.
No mundo virtual da coquetelaria, não é novidade que bartenders se multiplicam pelos grupos de whatsapp, compartilhando causos da profissão, vagas de trabalho, contatos de freelas, alegrias, tristezas e dezenas de documentos e livros da área, históricos ou não.
Nesse domingo, as 9:11h, uma linda e ensolarada manhã despontava e lá estava um participante de um grupo de whatsapp compartilhando mais um pdf de livro de bar. Um hábito já tão comum que passa desapercebido muitas vezes por todos nós.
Quando prestei atenção na mensagem, o livro em questão era o conhecido Da Botica ao Boteco, primeiro livro da jornalista e mixologista Neli Pereira em parceria com a Companhia de Mesa, o selo de gastronomia da Companhia das Letras e uma obra essencial para quem deseja compreender as raízes do consumo etílico brasileiro.
Parei, respirei fundo e me peguei pensando em todas coisas que envolviam aquele simples pdf compartilhado.
Eu já declinei muitas vezes o convite de escrever um livro principalmente pela crença de que é inviável tornar o projeto minimamente lucrativo num cenário onde cada vez mais as pessoas consomem hard news e vídeos rasos e numa época onde a pirataria (vulgo compartilhamento de pdfs) é parte do cotidiano da profissão.
Eu sempre me pergunto. O que passa na cabeça da pessoa que resolve digitalizar página por página e divulgar nas redes?
No exercício da boa fé, quero acreditar que ela não compreende o dano que está fazendo. Mesmo que a intenção seja “compartilhar cultura”, publicar um livro completo em PDF no Instagram, WhatsApp, Facebook, Telegram ou qualquer outra plataforma sem autorização é considerado violação.
Será que a pessoa que postou o pdf tem conhecimento do alto investimento da editora no projeto? De cada profissional envolvido na produção da obra?
De todas as horas em pesquisas, custo de viagens para conhecer regiões e ingredientes locais assim como custo de viagem para divulgação do lançamento, compra de produtos para degustações que a autora se empenhou para construir linha por linha, página por página uma publicação inédita na literatura brasileira?
Qual é a nossa responsabilidade e participação no desenvolvimento da profissão, no apoio aos pesquisadores da nossa área, no engrandecimento dos projetos inovadores dentro da coquetelaria?
Apoiar a construção da nossa própria história se dá a partir do reconhecimento e respeito à autora da obra até o financiamento do projeto com o simples ato de comprar um livro para chamar de seu. E fica uma pergunta a ser respondida:“Mas, será que eu consigo pagar um livro desses?”
Quanto custa o livro?
R$ 40,00. E Evocê pode adquirir um exemplar dele agora neste link aqui.
Uma pesquisa inédita, num segmento carente de publicações nacionais custa algo como um ingresso no cinema, uma porção de frango à passarinho, um Negroni em um bar comum, um Big Mac, uma ida e volta de uber no seu bar favorito, um pedido de ifood.
Ou seja, não é um produto de luxo, restrito exclusivamente aos que detém poder aquisitivo ou fazem parte de uma lista seleta, é um produto popular. Qualquer um de nós possui meios financeiros para adquirir esta obra.
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Quem é a autora?
Néli Pereira é jornalista, sócia do Espaço Zebra, bar em SP e pesquisadora brasileira especializada em “brasilidades”, com foco na valorização de ingredientes e saberes tradicionais do país.
Ela é autora do livro Da Botica ao Boteco: Plantas, Garrafadas e a Coquetelaria Brasileira, publicado pela Companhia das Letras, que explora as raízes medicinais e alquímicas da coquetelaria no Brasil, resgatando ingredientes como catuaba, jurubeba, urucum e milome.
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Mas vamos ver o que diz a Legislação?
Compartilhar livros em formato PDF sem autorização de autores nacionais ou editora é considerado um crime de violação de direitos autorais.
A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) protege as obras intelectuais, incluindo livros, e a reprodução, distribuição ou divulgação sem autorização é considerada uma infração.
Ao mesmo tempo, será que baixar livros na internet constitui alguma infração penal? Alguém pode ser preso por baixar livros de autores brasileiros na internet?
Antes de tudo, devemos concordar que essa conduta é no mínimo contrária à moralidade e desconsidera todo o esforço intelectual empregado pelo autor(a) na construção de sua obra. Vamos dar uma olhada no que dispõe a inteligência do art 184 do Código Penal ?
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Não há dúvidas que, ao efetuar o download indevido de um livro ou ebook na internet, o sujeito violou os direitos autorais de outrem, haja vista que assim determina a Lei n.º 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais)
Baixar livros de autores nacionais sem autorização é uma atitude questionável do ponto de vista da moralidade, mas é uma conduta que não provoca danos reais ao autor, (diferente daquele que disponibiliza). Ao mesmo tempo, trata-se de uma violação aos direitos autorais, portando, o fato de não constituir crime não impede a responsabilização do infrator em âmbito cível.
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Mas porque a gente não protege também os livros antigos?
Sabia que você estava pensando nisso. Ué, mas então porque a gente não se preocupa também todas as vezes em que o Bartender Guide de Jerry Thomas de 1862 ou o How to Mix All Kinds Of Fancy Drinks escrito por C.F. Lawlor em 1895 são compartilhados nas redes sociais, nos grupos de whatsapp ou até aqui, no Mixology News?
Simples, a lei diz que certos livros podem ser compartilhados e certos livros não podem.
Os direitos patrimoniais do autor duram 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano seguinte ao seu falecimento.
Ou seja, Jerry Thomas, falecido em 1895, teve toda sua obra considerada Domínio Público a partir do ano de 1965. Seguindo esta lógica, hoje em 2025, estamos autorizados pela lei de Domínio Público a compartilhar livremente qualquer livro escrito antes do ano de 1954.
Agora atenção. Mesmo que o livro esteja em domínio público, a edição específica feita por uma editora (tradução, diagramação, revisão, notas etc.) pode ter proteção própria e nesse caso, ter direitos reservados.
Logo, compartilhar o PDF de uma tradução recente ou de uma edição publicada por uma editora pode ser ilegal, mesmo que o autor original já tenha morrido há mais de 70 anos.
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Como saber se um livro está em Domínio Público?
Para descobrir se um livro está reservado ou livre “em domínio público”, você pode acessar Domínio Público (portal do MEC); ou WikiSource, ou Project Gutemberg ou ainda em bibliotecas nacionais e arquivos universitários.
E agora? O que fazer com os livros que já temos e nos novos que virão?
Acredito que muitas informações deste artigo são novas para você e que agora, com esse conhecimento, você tomará melhores decisões ao compartilhar materiais autorais, assim como dar um toque sutil enviando este texto para aquele seu colega que todo mês comete essa infração.
Em relação aos livros que já possui, paciência, use a consciência, só compartilhe o que for permitido por lei e o mais importante, faça o que a maioria das pessoas não faz e leia os livros que já tem!
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