(ou breve análise semiótica sobre meu histórico de drinks)
“Com não mais do que três exceções que eu consiga pensar, o coquetel é uma invenção bastante repugnante.”, escreveu certa vez Jeffrey Bernard – autor da coluna Low Life para a revista inglesa Spectator, entre 1990 e 1994. Sinceramente, acho que ele tinha razão – e explico-me, para que possa ser publicado neste site.
Minha maior frustração é que Roland Barthes nunca tenha escrito um tratado sobre a bebida, a semiótica do bebedor, qualquer que seja ele. De todo modo, é preciso pouco esforço para se reconhecer o tipo de pessoa com quem se está lidando a partir da tipologia de bebida que ela ingere, ou, especialmente, pede. Logo, um cidadão que tem quatorze bebidas prediletas também tem, quase invariavelmente, distúrbio de múltiplas personalidades. Jeffrey Bernard era um alcoólatra, diabético, da perna amputada e depressivo. Freqüentava o bar diariamente e sozinho, na busca mais pura de se embriagar até a última gota. Não é de se admirar que preferisse destilados puros – mais especificamente vodka.
Existem determinados tipos de drinks destinados a tantos mesmos tipos de pessoas. Qual a probabilidade do seu avô que mora Telêmaco Borba sentar-se ao balcão do bar e pedir um Apple Martini? Ou da menina delicada, de roupa comportada, estagiária de direito, dizer que vai começar a noite com um single malt de Islay “só com um fio de água para diluir”? “Você é o que você bebe” parece-me muito mais preciso do que “o que você come”, “ouve” ou “veste”.
Traçando um histórico pessoal de coquetelaria, eu tive fases longas e intensas, como se trabalhasse em temporadas de drinks. Comecei com screwdriver, empolguei-me em Long Island Ice Teas, depois foram, respectivamente, gim tônica, dirty martini, dry martini e negroni – este já há uns 6 meses.
O começo com vodka + suco de laranja é facilmente explicável. A bebida é simples (fácil de fazer e de beber), os ingredientes eram baratos e, ainda assim, pareciam-me uma evolução das vodkas com fanta ingeridas nas festas de baixo orçamento da adolescência. Long Island Ice Tea foi uma fase negra – de que eu hoje tenho pavor em lembrar. Morava nos Estados Unidos e tinha recém completado 21 anos, a maioridade alcoólica de lá. O único propósito era ficar bêbado na boate e não há nada de que se orgulhar nisso. Passou, passou.O Gim Tônica veio como uma redenção. Iniciar-se no gim é um caminho sem volta – do qual eu não me arrependo um segundo – e gim tônica é o primeiro passo mais óbvio. É também um dos mais eficientes coquetéis sociais (e portanto segue na minha lista de 3 ou 4 coquetéis favoritos): ao mesmo tempo em que soa familiar, não é o mais óbvio dos pedidos. Nunca senti reprovação ao pedí-lo. Os bebedores de gim são sempre levados mais a sério do que os de vodka. Sempre. Por outro lado, tem a cara amistosa, um ar refrescante que lhe dá guarida para tomá-lo aos goles largos sem parecer um selvagem.
Os Martinis foram meu equivalente alcoólico do início da fase adulta, o primeiro emprego, etc. Aquele tempo em que você se leva muito a sério, quer impor maturidade e ter um ar austero. Em casa, eu estudava e praticava todas as variações possíveis, com mais ou menos vermouth, batido, mexido, aerado, para que no bar eu pudesse pedir com segurança e impressionar os colegas. “Com Tanqueray e mais Noilly Prat do que o costumaz”, pedia com ar petulante.
Por fim, veio o Negroni, que sigo bebendo mas não tardará muito – especialmente após terminar este texto. Foi um passeio pela velhice precoce, minha tentativa de negar um lado Peter Pan que insiste em me afligir. Negroni é, por excelência, uma bebida de velho solitário. É amargo, com notas de remédio, um vermelho antigo e aquela laranja cafona. Mas é um gosto adquirido e vai viciando homeopaticamente. É disso que o velho gosta, mas não é isso que este velho quer.
Neste meio tempo, tentei diversas outras opções. single malt, cerveja (tive ligeiro apreço pelas Lambics), whisky sour e, recentemente, como se quisesse renegar a estadia do Negroni, Jack & Coke – a mais infantil das bebidas adultas (porque ponche de frutas não conta). Nenhuma funcionou e agora estou aqui, em crise de personalidade alcoólica, pedindo ajuda, uma luz, uma terapia, querendo saber pra onde ir, qual será o próximo estágio. Só sei que não gosto de bebida verde, nem rosa (e não estou falando de suco de limão ou Guaraná Jesus). Um Negroni para refletir.
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