A biografia completa (e pouco conhecida) da bartender que deixou como legado o único drink popular brasileiro criado por uma mulher. Conheça Camila Paiva e seu drink Jorge Amado.

A até então artesã Camila Paiva, sua irmã Andressa Melo e sua mãe Mariema eram proprietárias de uma loja de artesanato e após uma viagem para a França Camila voltou animada em trazer algo que ainda não era comum em Paraty, um café.

Assim nascia O Café, localizado na Rua Marechal Santos Dias, 237, no centro histórico de Paraty, cidade litorânea histórica e rica em cultura indígena, quilombola e caiçara.

Aos poucos, o ambiente que antes servia tortas, bolos, cafés e chás passava a se tornar conhecido, frequentado e animado e a já famosa lasanha de palmito pupunha da casa passava a ser o carro-chefe até que o ambiente se torna um grande restaurante da região com 15 funcionários.Lá na restaurante, Camila era a responsável pela recepção dos clientes e operação do salão, e embora não fosse a bartender da casa, cargo ocupado pela bartender Mônica, ela já criava algumas versões de caipirinha, como a de laranja com café e a Bonitinha mas Ordinária, uma versão de cachaça caramelizada e banana.

No ano de seu falecimento, Camila estava empenhada em criar a Suspiros de Bel, com a cachaça Maria Izabel, morango, raspa de laranja e suspiro, mas infelizmente não conseguiu entregar essa receita a tempo.

A criação do Jorge Amado

A receita nasce em homenageam ao homenageado da Flip de 2007,  Jorge Amado.
Outra curiosidade é que O Café tinha um quintal famoso, onde a Gabriela pulava o muro da casa do seu Nascib, no filme Gabriela, rodado em 1983 em Paraty, com presença de Sônia Braga e Marcelo Mastroianni. De acordo com Andressa, irmã e sócia de Camila, “a ideia inicial da Jorge Amado era pegar a caiçarinha, que é uma caipirinha de cachaça, limão e pinga branca, e colocar Gabriela. Com os trocentos testes, ela acabou substituindo uma pela outra, a cachaça branca pela Gabriela.”

“A gente bebeu muita coisa ruim até chegar na mistura original da receita que é: um limão, meio maracujá, gelo e duas doses de Gabriela. Quanto mais doce a Gabriela melhor fica a Jorge Amado. Ela se inscreveu no concurso neste ano e ganhou.”

Aprenda a receita

60 ml de Cachaça Cravo e Canela (de qualquer produtor de Paraty)
10 ml de xarope de açúcar (não tem na receita original)
30 ml de polpa de maracujá fresco
6 cubos de limão tahiti (ou 1 limão)

Em uma coqueteleira adicione o limão cortado com o xarope e amasse. Adicione o maracujá, cachaça, gelo na coqueteleira e bata bem. Sirva em um copo baixo sem coar.

Com a crescente procura pelo drink, destilarias da região começaram a produzir suas versões de Cravo e Canela. As mais famosas são a Gabriela (Paratiana), Gabriela (Coqueiro), Gabriela (Pedra Branca) e Gabriela (Engenho D’Ouro). Leia mais na matéria publicada pela jornalista Ana Paula Palazi no Mapa da Cachaça.

Vale lembrar que nos termos da lei, deveriamos chamar a “cachaça de cravo e canela” de aguardente composta de cravo e canela. A legislação (ler instrução normativa aqui) deixa claro as diferenças entre cachaça ou aguardente composta.

O dia da premiação

11 de agosto de 2007 – Bartenders de toda Paraty e região se reúnem para concorrer ao XXV Festival da Pinga e Cultura Caiçara de Paraty, promovido pela Secretaria de Turismo e Cultura da cidade de Paraty, no RJ e organizado pela Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça Artesanal de Paraty.

Após apresentação de todos os competidores, os jurados chegaram a decisão de que a receita Jorge Amado, de Camila Paiva seria consagrada vencedora da disputa e o registro está aqui ao lado, no Certificado de Premiação do torneio (guardado a sete chaves pela sua irmã).

Após pesquisa minuciosa, concluímos que antes dessa data, não há registro na internet de nenhum drink chamado Jorge Amado, com os mesmos ingredientes do apresentado por Camila na competição. Aliás, não há sequer registro de drinks com nome de Jorge Amado antes de 2007.

Uma partida fulminante 

Camila fez uma breve passagem no dia 9 de março de 2012 – amanhã completa 13 anos de sua morte – por conta de uma pancreatite aguda fulminante.

De acordo com sua irmã, um ano após sua partida, quando ela morreu não tinha mais sentido continuar com o restaurante. “Minha mãe já estava bem idosa, e era só nos três que tocávamos. Ficar só eu e minha mãe era inviável, daí resolvemos fechar.”

Geminiana e beatlemaniaca, Camila não conseguiu assistir a tempo a popularidade e sucesso absoluto de sua mais deliciosa criação, o drink Jorge Amado.

Apesar disso, a receita já se tornou parte da cultura paratiense e hoje figura em dezenas de bares de todo o Brasil, cada um dando a sua moda, mas mantendo o mesmo espírito do clássico caiçara.

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