Não dê ouvidos à roda dos escarnecedores, gente besta cheia de morais pequeno-burguesas. Não lhes dê ouvidos, pois não são gente de bem. Eles vão gralhar, mas não dê ouvidos: a razão, o dinheiro e a vida são seus – quem há de cornetar?
Minha mãe terá um ataque epiléptico; meu pai, um ataque nervoso; meus amigos, de orgulho; meu médico do refluxo, espero que não me leia. Beber sozinho é uma arte (perdão, mãe). E isto não é um hino ao alcoolismo, nem um clichê barato de gente que faz contagem do quanto resiste ou persiste na bebida: é mais um tratado, ou um trato.
O bebedor solitário mais famoso, em geral, é um insuportável. Não tem amigos (pelo menos, não suficientes para lhe fazerem companhia todos os dias no bar), enche o caneco até cair e, quase invariavelmente, causa constrangimentos. Deste tio, quero distância. Tanta distância quanto do bebedor social. “Ah, eu bebo socialmente.”, é a frase costumaz do inglório amigo, que bebe mais para fazer companhia do que por gosto pela bebida. Ele não tira proveito do que consome. Minha amiga Eliane André, que sabe e gosta de beber, já me disse, uma vez: “De que valem as calorias, então?”. Você está certa, Li. Na verdade, o compadre ali de cima é indigno inclusive das calorias. Os dois exemplos são chatos.
O bom bebedor solitário não bebe sozinho por crise de abstinência, mas por gosto. Eu bebo sozinho. Não faço muita carreira solo em bares (já fiz), sou bebedor caseiro, mas entre minhas memórias mais caras tenho uma madrugada no bar do Hyatt de Nova York. Não é um bar de altíssima categoria, mas é um bar de hotel, impessoal – o que o torna perfeito para nossa tarefa. Era minha última noite da minha primeira vez na cidade. Precisava decantar a viagem, pensar no que tinha visto sem continuar vendo mais e, lógico, dar uma sofridinha pela partida. Passei a noite praticamente quieto, vendo o pouco movimento da casa e ouvindo a música. Para beber sozinho, num bar vazio, você vai precisar dos seguintes itens:
Um balcão de bar que esteja disponível no horário desejado;
Uma dose de segurança;
Uma dose de ar blasé;
Um objeto de função virtual;
Este texto.
Da segurança e do ar blasé você precisa para não pagar de perdedor. Vista uma roupa de respeito, faça-se o favor; cumprimente o barman com categoria e distanciamento; sente-se ao balcão e peça algo sem ver a carta de bebidas ou pedir auxílio (vai te conferir credibilidade). O mais recomendado é que você peça um trago mais forte e da linha escura. Whisky, Cognac, Manhattan, Negroni, Calvados e congêneres estão liberados. Vodka, gim, vinho, cidra, e drinks clarinhos (azuis, nunca!) é melhor deixá-los de lado, por enquanto – Dry Martini é exceção, até pode, mas você corre o risco de ser confundido com uma tiazona.
Acione seu objeto de função virtual. Ele pode ser um livro, uma caderneta, uma revista, um iPad ou qualquer coisa que ocupe suas mãos (lembramos que cigarro e charuto estão proibidos na maioria dos países em que você vai estar, inclusive, no Brasil). Você não precisa ler, nem escrever, somente fingir – como também se fingia fumar até uns anos atrás. Seu objeto é seu refúgio, seu argumento que grita silenciosamente para todos presentes: “Não sou alcoólatra, não quero fazer amigos e não tomei um pé na bunda!”. Depois disso, você pode conversar com quem quiser, porque já garantiu para todo mundo que aquela conversa será uma concessão, você não precisa dela, tem outras coisas para fazer. Também pode pedir o que quiser (menos coquetéis azuis), consultar o cardápio ou o barman e até estalar os dedos, se a música fizer parte do seu repertório emocional (exceto James Taylor, lembra?). Sua noite está feita.
Beber durante o dia pode parecer uma tarefa mais difícil, mas não é. Compreendendo. Seu novo objeto de função virtual é, agora, um indicativo de trabalho. Uma pasta já serve. Uma caneta no bolso da camisa também (veja lá que caneta vai usar, hein). Seu novo ar não mais precisa ser blasé. Encarne o personagem: você é um cidadão que está feliz, porque hoje pôde sair do trabalho às 15h00. Se estiver de gravata, afrouxe-a. Um “boa tarde” simpático é essencial para se fazer crível. Os drinks clarinhos agora não só estão permitidos, como são os mais adequados, dentro da paleta de cores que já combinamos. Se estiver calor, um Tom Collins seria impecável; se estiver frio, vale um Bourbon, um Whisky Sour, ou pode recorrer à carta de vinhos. Seu dia está feito.
No fim das contas, após alguns anos, descobri que bom mesmo é beber em casa. Você escolhe a trilha sonora, veste a roupa que quiser (aliás, veste-se só se quiser), faz qualquer bebida e não precisa dar satisfação de etiqueta pra ninguém. Para isso, você vai precisar somente estar sozinho e, claro, possuir as bebidas. Só não pode contar para sua mãe porque vai que ela resolve acabar com a sua solidão.
Receba nossa newsletter com os melhores artigos do universo da mixologia.
Obrigado por se inscrever!