Conheça seu bartender e sua receita – Thomas Souza (BH)

O Mixology News realiza em 2021 o Mês da Diversidade no Bar para informar e valorizar a diversidade de bartenders durante o mês do Orgulho LGBTQIA+.

Terapeuta Etílico é a marca pessoal de Thomas Souza, bartender que já trabalhou em bares e baladas como Oliver Art Bar, Pipo, Casa 48, Ox Steak Room, Highline Bar, Velvet Club e MaynHell além de hotéis como Othon Palace e Brasserie.

“Escolhi a coquetelaria e o acolhimento de pessoas como meu lugar de ofício e foi onde eu encontrei alegria e propósito pra seguir o legado de quem me ensinou ao longo deste tempo”.

Atuou também no setor de eventos com empresas como StageBar, One Premium Bar e T4F, agência Blackout, e como atendente, gerente e consultor de alguns estabelecimentos por agências de Assessoria de Negócios desenvolvendo também o perfil de liderança e entendendo a mecânica de atuação de outras áreas pertinentes ao setor de hospitalidade em A&B.

” Expressar minha identidade e transmitir através do trabalho cada uma dessas coisas é um exercício constante e desafiador!”

Conheça o bartender

Como você percebia o mercado de A&B em relação à corpos da diversidade presentes em 2010?

Quando eu comecei em 2010, o mercado não era tão abrangente e havia uma busca muito forte de um biótipo específico para uma pessoa atrás do bar em cada segmento:

Em restaurantes eram bartenders engravatados, engomados, com gravatinha, suspensório e colete naquele estilo que remontam as décadas de 20 e 40; nas boates, eram sempre homens com sorrisos charmosos, corpos lapidados na academia e sempre jovens e convenientemente atraentes. Dificilmente se via uma mulher se destacando. Em eventos os profissionais tanto de bar quanto no atendimento eram sempre o perfil padrão parecido com os de boates, animadores que pareciam gogoboys ou gogogirls ou pessoas mais maduras contrastando.

Como você percebe, agora, o mercado de A&B em relação aos corpos da diversidade presentes no momento?

Hoje em dia percebo uma evolução no paladar das pessoas, no estilo de profissionais dentro das barras e operando no atendimento muito mais abrangentes e menos pitorescos.

Olha, mas isto vem sendo moldado pela influência de pessoas em relevância que ditam a moda da coquetelaria nacional à medida que filtram o movimento em torno do mundo no universo gastronômico e de bar. O que não é nada nada ruim!

Assim fomos desenvolvendo perfis mais ousados, permissivos e condizentes com a aceitação de corpos diversos representando em vários segmentos de bar e atendimento. Corpos de diversidade tendo espaço e voz aos poucos e lentamente – até agora!

Como foi a sua vivência no bares do início da sua carreira até o momento?

De 2010 pra cá eu sempre procurei explorar vários segmentos de atendimento, recepção e coquetelaria para aprimorar meu trabalho e desenvolvimento pessoal então encarei e enfrentei várias tentativas de alocação em espaços onde não haviam pessoas como eu: negro, gordo, gay e fora do padrão estético; para preencher essa
lacuna ou tentar aprender e isso não era por uma atitude militante ou ativista.

Eu sempre quis estar entre os melhores pra me tornar bom e evidente e poder disseminar meu aprendizado e conhecimento com os meus iguais. Atualmente, ser aspirante à ativista me impulsiona a reproduzir isto à pessoas da causa e agora vejo a oportunidade de realizar essa multiplicação sem que meus pares precisem receber as mesmas negativas e portas fechadas que eu já tive um dia por não me encaixar no perfil imposto socialmente.

Você sofreu algum tipo de abuso, rejeição ou preconceito por parte de colegas profissionais ou superiores imediatos? E quanto ao público consumidor?

Sim. Eu já tive a infelicidade de encontrar colegas que fazem brincadeiras ~ que eles consideram inocentes ~ impertinentes ao trabalho quanto à minha sexualidade, sobrancelhas ou cor.
Já encarei portas fechadas e oportunidades perdidas por ser gay ou gordo ou ter personalidade e opiniões bem definidas e estar acima do padrão comportamental conformista desejável.
Uma vez um cliente já passou a mão em mim de forma pejorativa pra causar instabilidade emocional e tentar afirmar que o meu corpo era uma expressão de sexo fácil, usável e descartável pra ele a qualquer momento pois ele era amigo do dono do estabelecimento e ali ele poderia fazer o que quisesse.
Nessa ocasião em específico eu pedi as contas pro dono na hora e fui bem agressivo com o cliente e os demais pra afirmar que meu corpo e integridade não deveriam ser objetivados.  Também já tive que defender colega de agressão de cliente por preconceito e abuso durante um openbar.

Como você reage em geral à situações de exclusão ou distanciamento por ser uma pessoa diferente do seu meio em geral?

Eu sempre soube desde os meus 13 anos, quando meus pais se separaram de que eu teria que amadurecer prematuramente e que eu teria de enfrentar o mundo e a maré do sistema e da sociedade com braços fortes e posicionamento firme. Eu já sabia que eu iria sofrer e ter que batalhar mais pra poder conquistar meu espaço e as minhas possibilidades. Eu nunca reagi com vitimismo e nunca foi da minha natureza ou feitio ser depressivo ou me auto depreciar.

“Eu não nasci pra me encaixar no sistema, eu nasci pra me destacar e é assim que eu venho fazendo e me comportando.”

Lidando com graça e driblando os nãos até conseguir o sim. Onde quer que ele esteja, minha perseguição é pela realização e fazer e acontecer, até o ponto de não ser ignorado e inspirar mais almas bonitas e talentosas como eu a abraçarem seus talentos e compartilharem estas belezas e feitos com o mundo!

Conta pra gente um momento de vitória em que você pôde atuar contra alguma atitude abusiva, excludente ou preconceituosa contra pessoas (ou você) por pertencer à diversidade LGBTQIA+.

Era a última festa do ano de uma boate famosa em Belo Horizonte que eu trabalhava e um cliente abençoado resolveu fazer gracinha pra exigir da minha backbar um “atendimento abusivo”. Ela se negou e ele primeiro pegou uma garrafa de vodka e sumiu. Voltou e eu chamei um segurança e nada.

Ele voltou e insistiu pra ela atender e ela se negou – e eu notei presenciando mesmo, porque até o momento ela só tinha me contado a situação – e ele derrubou os copos que ela estava preparando como pirraça. Lá fui eu chamar o segurança de novo e nada. Por fim, o cara já estava num estado irracional que ele foi insistir pelo atendimento dela e a ameaçou extrapolando o limite do bar e alcançando uma faca pra apontar pra ela.

Naquele momento eu parei todo o atendimento de bar, encerrei as atividades do pessoal e declarei que todo mundo não ia beber mais enquanto ele estivesse na casa, porque nossa equipe de segurança não conseguia atender o pedido de orientar o rapaz. Após um apelo e de expor que ele tinha tentado abusar da minha colega e o openbar estaria encerrado enquanto ele permanecesse ali, eu resolvi oferecer algumas cervejas importadas pra quem ajudasse a tirar ele de dentro da boite, o público se mobilizou, tiramos o inconveniente e conseguimos seguir a noite normalmente e mais felizes depois disso.

Quais conselhos você daria para os nossos colegas de trabalho em relação ao tratamento de pessoas para evitar atos de desrespeito, crimes de preconceito, bullying e abusos contra qualquer tipo de pessoa?

Lidar com pessoas não é fácil e isso todo mundo já sabe! Não é um conselho novo. Trabalhar com atendimento ao público e produção de alimentos e bebidas exige um senso de humanidade, sensatez e o desenvolvimento da empatia como exercício de aprimoramento e prática constante.

Quando a gente busca atendimento, a gente busca sanar carências. Não se trata apenas de consumir, gastar, comer ou beber. Se trata de sanar carências e de buscar algo além do ordinário. Ao termos ciência disso, somos responsáveis por sanar estas carências como acolhedores das mesmas e é nossa responsabilidade causar bem estar às pessoas. Não só no ofício mas também por excelência. Se em algum momento você não se identifica com esta necessidade fundamental da hospitalidade, eu te recomendo veementemente à refazer sua jornada em outro setor, pois uma hora ou outra a reprodução de um erro ou experiência ruim, com colegas, clientes ou lideranças vai te causar uma cisão. E pra isso outro conselho antigo: melhor prevenir do que remediar!

Agora se você já se identifica, mantenha essas palavras em mente, não como ditado meu mas como conselho pra ser exercitado, desenvolvido e aprimorado.

Se você pudesse voltar no tempo, olhar pra si mesmo com 8 anos de idade, qual conselho você se daria pra encarar o seu futuro?

Nada vai ser tão fantasioso e surreal como se parecem nos seus desenhos. Você não vai ser desenhista, nem pintor, nem médico. E nem vai querer estudar pra isso depois de uma situação que vai vir e não vai te permitir viver a infância como supostamente deveria ser. A maturidade prematura te espera logo ali!

E ao se revelar quem é de verdade para o mundo, vai ser doloroso. Algumas pancadas vão deixar marcas, mas com o tempo você vai ter que cuidar do seu brilho, da sua marca pessoal e desenvolver seu amor próprio sem se colocar acima de ninguém.

Aprende agora e bem cedo – já que é a sua sina – que pra construir o seu reinado, você vai precisar ser o melhor serviçal dele! Sirva às pessoas mesmo que você não consiga amar elas. Você consegue entender elas sem elas precisarem expressar isso. Então mostre pra elas o que elas têm de melhor antes delas mostrarem outros lados. Você vai ser forte e inspirador em algum momento. Mesmo que todo mundo te diga que não e te mostre o peso da sombra deles.

Qual coquetel clássico na história você escolheria para se homenagear com Orgulho e porquê?

Eu não vou nominar coquetéis feitos por pessoas de diversidade historicamente comprovadas ainda pois este é um assunto para outra pauta e vai vir à seguir mas escolhi o Sazerac como coquetel pra homenagear o Orgulho simbolizando em sua composição a força bruta da revolução de Stonewall em 1969 com seus componentes radicais e a sua luta (Bourbon ou Rye, Cognac, Bitter e Absinto) em busca da igualdade percebida no seu equilíbrio depois de tantas reviravoltas e manifestações necessárias (de método mexido para diluição).

Aprenda a preparar um Sazerac aqui

Cada conquista e celebração irreverente anual que fazemos com alegria, sorriso e imposição (presentes no açúcar de tostão) sem esquecer o esforço de quem lutou e sangrou pra conquistarmos o espaço que estamos tendo agora e sem deixar a luta de lado (ao observar o tom avermelhado de cor do coquetel)

Qual a sua mensagem de inspiração para as próximas gerações de bartenders dos próximos 10 anos?

Eu te convoco – ao finalizar esta leitura – a retroceder brevemente em reflexão sobre como você trata as pessoas ao seu redor, como você está disposto a exigir respeito, igualdade e espaço de acordo com a coerência das suas atitudes e posicionamento.

Ter senso de autocrítica e estar disposto a ser moldado, criticado e lapidado de acordo com a forma como o mundo te percebe vai te tornar muito mais forte do que a sua melhor desculpa pra manter seu ponto de vista e razão. E pessoas, sejam elas o que quer que elas escolham ser, elas são iguaizinhas a você!

Mas cada uma com uma necessidade e singularidade diferente. Nós podemos fazer a diferença juntos e cada um à sua maneira, mas sempre com consciência e percepção do meio e de nós mesmos! Que sejamos livres pelo Amor!

aprenda a receita

Tríplice Retrogosto

50 ml de Singleton of Duffy own 12’y
30 ml de Vermute Rosso retemperado com goiabada
5 ml de solução salina

Em um mixing glass com cubos de gelo coloque todos os ingredientes e mexa bem por aprox. 50 segundos para conseguir alta diluição e coe para um copo baixo com gelo maciço.  Por fim, finalize com uma fatia de queijo canastra curado.

Receita criada pelo bartender para competir no World Class Diageo 2021.

Mês da Diversidade no Bar

O Mixology News realiza em 2021 o Mês da Diversidade no Bar para informar e valorizar a diversidade de bartenders durante o mês do Orgulho LGBTQIA+.

A campanha traz diversas entrevistas com bartenders no portal, lives diárias com influenciadores e autoridades na causa no instagram e um webinar no youtube com bartenders.

Idealizado pelo Mixology News em parceria com o bartender Thomas Souza e com apoio de Cointreau, o licor de laranja mais famoso do mundo, produzido na França e importado pela Interfood Importação.

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