Falar de barismo no Brasil e não falar de Isabela Raposeiras é como citar a bossa e esquecer do Tom, falar da bola e esquecer Pelé. Uma coisa não existe sem a outra. A história de Raposeiras na profissão se mistura com o próprio surgimento do barismo no país. Raposeiras foi a primeira campeã brasileira de barista, uma das mais respeitadas mestres de torras do mundo e idealizadora da mais premiada e reconhecida cafeteria brasileira, CoffeeLab, um misto de cafeteria com sala da avó, espaço de cursos e torra de café, localizado no meio do charmoso bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Isabela nos conta abaixo o que mudou na cena de cafés no Brasil e no mundo nos últimos anos e quais são as tendências daqui para a frente. Aproveite. isabela raposeiras

ENTREVISTA EXCLUSIVA

Como e quando você começou a se interessar pelo café?

Acho que o café se interessou por mim antes de me interessar por ele. Isso aconteceu por volta do ano 2000, quando minha família resolveu abrir um restaurante em Paraty, no Rio de Janeiro, e acabei estudando e me interessante pelo café para poder entregar um bom produto aos clientes. Depois que a cafeteria do Margarida Café ficou pronta , fui convidada para gerenciar a Cafeera, a primeira loja da rede da Ipanema Coffees.

Quais são as suas referências no meio do café, tanto no Brasil como no exterior?

A Georgia Franco do Lucca Café é um ótimo exemplo de pioneirismo e desejo de mudar o cenário do café no Brasil. O Silvio Leite é um provador de cafés de primeira e temos que aprender muito com o que ele sabe. Marcelo Vieira e Luis Roberto Paschoal começaram o movimento do café brasileiro de qualidade lá fora. Foram grandes diplomatas do café brasileiro. A dupla Golden Boys da Café Editora, Caio Alonso e Marcos Haddad, por promover uma feira de alta qualidade e movimentar a cena de cafés no Brasil. Lá fora, quero citar o Tim Wendelboe, que é um dos melhores garimpeiros e provadores de café que eu conheço, campeão de provas de café e de barista, e tem uma torrefação incrível. Lá tomei um dos melhores cafés da minha vida. James Hoffman é um grande pensador do café. Ele nos permite fazer reflexões sobre o café que poucos conseguem, através das palestras e veículos em que escreve.

Para você, quais são as grandes mudanças no cenário cafeeiro nos últimos dez anos, do plantio à xícara?

Na verdade não foi uma mudança em si, mas uma implantação de uma cultura caffeeira. O que não existia dez anos atrás , agora existe. Foram dez anos de muita implantação desde a matéria prima de qualidade, que passou a ficar no nosso país, passando pelo surgimento das torrefações que estão fazendo um trabalho mais cuidadoso para nosso consumo, até o surgimento da profissão de baristas. O resultado disso é um cliente mais crítico e informado. O Campeonato Mundial ajudou a deslanchar a cena de baristas, com técnicas, equipamentos e baristas se especializando cada vez mais.

Quais são os pilares de um boa xícara de café?

  • Água boa, sem cloro e fresca. (98% do café servido na xícara é água).
  • Grãos de boa qualidade. (Origem controlada, 100% arábica e torrado corretamente).
  • Este grão ser moído na hora. (Isso é inegociável).

Quais são as novas tendências no barismo brasileiro e mundial?

  • Preparo de outros métodos de café além do espresso. Isso permite um estudo maior do barista em relação ao café.
  • Aproximação do barista com a gastronomia, entendendo a complexidade do café como um ingrediente extremamente versátil.
  • A ciência sendo cada vez mais importante para o processo de torra. O processo empírico e artístico está perdendo espaço para a técnica.isabela.raposeiras2Quais são as principais características das escolas de barismo no mundo. Quais outras podemos citar?

Escola Original (Italiana): é uma escola extremamente tradicional, é o grande começo de tudo, onde surgiu a máquina de espresso. Escola Internacional: é uma escola em formação, que alia muito a técnica ao resultado. O foco é o melhor café que se pode conseguir. Países como Japão, Inglaterra e a região escandinava estão dando ótimos exemplos de como trabalhar a nova escola.

Você acredita que estamos passando pelo “boom do barismo” e estamos próximos do seu auge?

Não, graças aos deuses estamos longe do seu auge. Estamos em crescimento geométrico, tanto em consumo de qualidade quanto em conhecimento e desenvolvimento. Espero que isso ainda aconteça por um bom tempo.

Como você enxerga a mudança de comportamento do consumidor de dez anos atrás para o consumidor atual?

Os consumidores atuais são os mesmos clientes, mas a postura e atitude desses consumidores mudaram completamente. São muito mais abertos, mais dispostos a conhecer, testar, provar novos cafés, variedades, safras e métodos diferentes.

Participar de campeonatos de barismo virou quase que uma obrigação para o barista. Você acha que essa experiência pode ajudar um barista a ser um profissional melhor ou se tornou uma obsessão maior do que o retorno?

Acho que participar de um campeonato tem como resultado o conhecimento, intercâmbio de informações fantásticas, porém a motivação da profissão não deve ser a participação em campeonatos. Eu indico para qualquer barista, independente da qualidade de campeonato.

Quais são as principais qualidades e desvantagens dos baristas brasileiros em comparação ao baristas do resto do mundo?

Estamos na fonte da cadeia. Temos o privilégio de viver num país que produz um dos melhores cafés do mundo, aqui, no nosso quintal. Um europeu às vezes demora três meses para receber um café brasileiro ou queniano. Os baristas brasileiros deveriam visitar mais fazendas, conversar com cooperativas, provadores. Somos o maior produtor de café do mundo e temos esse privilégio. Uma grande desvantagem brasileira é a cultura indisciplinada, pouco metódica e sistemática. Café gosta de método, disciplina e sistema. Ele se manifesta muito melhor nesse ambiente. Países como Japão, EUA e regiões nórdicas saem na frente. Fala-se pouco inglês no nosso país. O meio do café internacional fala inglês naturalmente, isso faz com que a troca de conhecimento entre o Brasil e outros países fique um tanto deficitária. O pouco questionamento de novas hipóteses faz com que o barista brasileiro reproduza levianamente muitas técnicas e conceitos que deveriam ser pesquisados antes.

Como você define o seu trabalho atualmente?

Inquieto. Sempre penso “E agora, o que mais posso fazer, como posso melhorar no meu negócio?”

Qual e a sua primeira memória sobre café?

Na mamadeira. Sério! Mamãe me acordava com café com leite na mamadeira.

Atualmente, qual é o seu método de café preferido?

Coados, em geral.

Atualmente, qual é a sua bebida com café preferida?

É o Shakeratto do CoffeeLab.

Qual bebida com café ultrapassa o tempo e continua sendo especial?

Cappuccino. Clássico.

Você tem algum mentor no café e o que ele lhe ensinou de mais especial?

Tim Wendelboe. Ele me ensinou a não negociar qualidade.

Qual é a sua cafeteria preferida atualmente e por quê?

The Coffee Collective, em Copenhague, Dinamarca. O ambiente é tão divino quanto os cafés. Café com açúcar ou café com sal?

Com sal.

Sal, o Ingrediente Secreto, leia aqui

O CoffeeLab fica na rua Fradique Coutinho, 1340, na Vila Madalena, São Paulo. O atendimento acontece de segunda à sexta, das 10h às 20h, e aos sábados das 11h às 20h.

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