Sempre digo aos meus alunos que o bar em si nada tem a ver com bons coquetéis. Eles não servem de nada se você não for bom com pessoas. É tudo sobre pessoas, tudo sobre hospitalidade. E que atire a primeira pedra o bartender que ousar dizer que suas melhores histórias não foram com clientes como personagens principais. Em uma noite dessas pensei: “mais legal que trabalhar no bar que eu quisesse ou com o bartender que eu quisesse, seria escolher meus clientes!”
Foi então que cheguei nessa bela e divertida lista de personalidades importantes que não estão mais entre nós: 07 | MUSSUM
“Bebo porque num fiz amigos tomando leite!”
Nascido Antônio Carlos Bernardes Gomes, o “Mumú da Mangueira” era a prova de que a gente nasce com o talento. Muito antes de ganhar a fama nas telinhas, Mussum era o divertido cantor, compositor e tocador de reco-reco do grupo Originais do Samba. Com o grupo gravou doze discos sendo que em três deles ganhou o Disco de Ouro. Mussum seria apelidado assim pelo saudoso Grande Otelo e suas palavras terminadas em “is” e “evis” foram ideias dadas pelo mestre Chico Anysio. Bem apadrinhado, não? Mas quando coloquei o Mussum nesta lista, diferente dos outros, eu queria era ter atendido o personagem e não o ator, que era o melhor dos Trapalhões. Típico frequentador de botequim de bairro, malandro, gozador e beberrão. Imagina só receber um pedido de “Leite de Perereca” ou pedir uma “Ampola Diurética”? Sem falar que o famoso pseudônimo da cachaça, o “Mé”, foi popularizado por este que foi um dos maiores humoristas desse país. Às vezes falta um ser de bem com a vida no meio de tantos conhecedores de bebidas que sentam no balcão. Agora Mussunzis, pendureta não rola no meu trabalhis, viu?
06 | MÁRIO QUINTANA
“Quando a gente vê dois bêbados, pode apostar: um bebeu porque tem mulher, o outro porque não tem.”
Um dos maiores poetas e escritores da literatura brasileira era também um dos personagens mais esquisitos dessa lista. Era um cara que nunca casou e nem teve filhos. Morava em pensões e hotéis baratos e era um solteirão convicto. Aliás, nunca foi visto com uma mulher. Escrevia apenas pela necessidade de escrever e apesar de sua genialidade não concluiu o que hoje chamamos de Ensino Fundamental. Não tinha dinheiro e nem mulher, mas sempre tinha um troco para manter um caso ardente de amor com o copo. Pense em quantas histórias Mário Quintana viu e ouviu em um balcão de bar que inspirasse seus belos poemas e frases? Ou melhor: imagine ele muito bêbado declamando seus versos imortais?
Certo dia um amigo cruzou com o poeta logo cedo, pela manhã em uma mesa de bar e perguntou:
- Já está bebendo, Mario? E o poeta respondeu: -Já, não. Ainda.
05 | TOM JOBIM E VINÍCIUS DE MORAES
“O whiskey é o melhor amigo do homem, é o cachorro engarrafado.”
A música mais cantada do mundo foi composta em uma mesa de boteco do Bar Veloso que hoje recebe o nome da canção “Garota de Ipanema”. E como essa dupla era inseparável, decidi colocá-los como uma pessoa só aqui nesse texto. Os dois músicos, compositores e poetas brasileiros não só se tornaram os nomes mais conhecidos da Bossa Nova como eram os melhores amigos da cervejinha e do whisky, já que eles mesmos diziam que o dinheiro que ganhavam dava pro carro, pra casa e pra bebida. Imagina só servir estes dois grandes poetas e frasistas da cultura popular brasileira? Existe uma história muito engraçada dos dois que ocorreu em Brasília, quando os dois tiraram uma folga do Rio para escreverem a “Sinfonia da Alvorada”. Em uma noite os dois começaram os trabalhos, se é que vocês me entendem, até que chegou uma hora em que Tom Jobim questionou o colega:
– Mas dá pra agüentar, Vinícius? E Vinícius respondeu:
– O corpo tem de agüentar. O corpo é o laboratório que tem de destilar esse negócio e transformar o álcool em energia. Porque o sangue só corre bem nas veias quando tem bebida.
04 | PAULO FRANCIS
“Bebo para tornar as outras pessoas mais interessantes.”
Quem não se lembra daquele jornalista com óculos fundo de garrafa que era comentarista do Jornal da Globo no início dos anos 90? Pra quem é novo, o famoso programa Manhattan Connection virou sucesso através de Paulo Francis. Foi o jornalista mais bem pago do Brasil por minuto no ar. Eu era novo e não estava nem aí para seus comentários. Mas não tinha na época personalidade brasileira mais imitada nas escolas do que ele. Paulo Francis era um cara que tomava whiskey no café da manhã. Quando entrei no PJ Clarke’s e fui atrás de todas as suas histórias, descobri que existia um brasileiro muito conhecido na 3rd. Avenue que sempre manchava as gravatas com a gordura do hambúrguer e tomava um bom e velho bourbon antes de gravar. Um jornalista arisco e irreverente, que eu não resistiria em atendê-lo em meu balcão imitando a sua forma arrastada de falar.
03 | NELSON GONÇALVES
“E seguindo o fadário, João do Rosário não tem mais prazer
Cheirando a bebida, não liga pra vida, não quer mais viver
E conta quem passa, sua desgraça que tanto consome
Maria Pureza, só tinha pureza no seu sobrenome”
Cantor e compositor com a terceira posição no ranking de cantores que mais venderam discos no país, o Metralha, como era conhecido por culpa de sua gagueira era o boêmio clássico: bom de copo, bom de mulher e bom de briga – o típico machão! Na década de 50 não existia um bar no Brasil que não fosse ritmado pelos grandes hinos de Nelson Gonçalves como “A volta do boêmio”. Mas como todo boêmio e machão que se preze, chorava apenas por uma coisa: a dor do amor. Suas músicas misturam a exaltação sobre uma mulher, que sempre o abandona e que o leva a mesa do bar no final para embriagar-se. Essa relação do atendente com o depressivo é uma coisa que acompanha o barman desde o início de sua carreira até depois que nós nos formos desse mundo. E ninguém mais que Nelsão exaltou nossa “importância” no amargor da vida.
02 | CANHOTEIRO
“Canhoteiro, cuja camisa Zagallo usurpou na Copa de 58, privando o planeta de ver o que só eu via”. Chico Buarque de Holanda
Canhoteiro não era nenhum malandro carioca, músico talentoso ou grande escritor. Ele está aqui por três simples motivos: Foi o maior jogador que vestiu a camisa do meu clube; Era boêmio e adorava um balcão de bar; eu queria estar presente em um único momento dele no bar. Sou são-paulino de outras vidas. Sim, isso por que meu pai foi jogador do São Paulo Futebol Clube e assim contava ele, a história em que eu gostaria de ter sido o barman de ocasião:
Quando o Canhoteiro soube da convocação ele gelou: sabia que teria que entrar em um avião e desta vez ficaria nele por horas. Então ele ligou para um fotógrafo de um jornal esportivo local e disse que ele teria uma bomba para as manchetes do dia seguinte. Então canhoteiro ligou para vários amigos e jogadores convidando-os para se reunirem na praça da Sé, local aonde pessoas da estirpe se encontravam. Contratou algumas prostitutas que trabalhavam ali perto para participar das comemorações e pagou bebidas para todos. Quando o fotógrafo chegou ele disse “camarada, quero essa foto na capa do jornal de amanhã!”. Colocou uma mulata no colo, e com um sorriso ergueu um copo de cerveja. No outro dia a manchete com a foto estampada seria republicada no dia seguinte com os dizeres “Canhoteiro está fora da Copa!”.
Se a história é real, não sei. Mas qual de vocês não gostaria de ter presenciado o fato e contar nos dias de hoje para seus clientes?
“Se você estiver perdido em uma floresta, não se desespere: comece a preparar um Dry Martini que logo aparecerá alguém pra dizer que você está fazendo errado.”
Uma coisa nós sabemos: Ninguém falou mais sobre coquetéis no mundo do que Hemingway. Jornalista na guerra, escritor vencedor do Pulitzer e conhecedor de vários balcões talvez tenha sido ele o grande propagandista de um dos coquetéis mais apreciados nos dias de hoje: Mojito. Ele conheceu o coquetel em uma viagem a Havana no famoso bar “La Bodeguita Del Medio” aonde até hoje preserva-se suas reverências a dois grandes sucessos cubanos: “My Mojito em La Bodeguita, my Daiquiri em La Floridita” (referência aos coquetéis clássicos aos seus respectivos locais de nascimento). Mas Hemingway não parava por aí. Provava coquetéis por onde passava e era amante do bom e velho whisky. Dizem as más línguas que chegou a tomar uma garrafa por dia! Além das pérolas que soltou em relação às bebidas, Hemingway criou receitas para vários de seus livros como, por exemplo, “Death in the Afternoon” que levava absinto e espumante. Detalhe que quando lançou a receita em 1935, no livro que leva o mesmo nome, Ernest recomendou “beba de 3 a 5 lentamente”. Será que foi daí que surgiu o Pulitzer?
Se você chegou até aqui, é porque gostou das minhas sete escolhas. Agora, eu gostaria de saber:
QUEM VOCÊ GOSTARIA DE TER SERVIDO EM UM BAR?
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