Quando a preguiça domina o jornalismo.

Este artigo é inspirado na matéria “Quem precisa de Lei Seca?” da edição de 16 de setembro de 2015, no caderno Paladar, jornal Estado de São Paulo, encontrada neste link.
www.blogs.estadao.com.br/paladar/quem-precisa-de-lei-seca

A matéria acima sugere que a coquetelaria em São Paulo está ultrapassando os valores aceitáveis de drinques em comparação à pratos. Então resolvemos questionar alguns pontos desta matéria. Acompanhe.

1 |  A sugestão de uma posível conexão da Lei Seca com os tempos atuais

Carrie Nation, citada no início da matéria, se tratava de uma senhora extremista que viveu em um momento radical, religioso e reacionário da história americana, a conhecida Lei Seca.
É fato que “ninguém precisa de uma figura como a Carrie Nation” exatamente porque os tempos são outros e a oferta de bares com os mesmos coquetéis, em bairros diferentes, com preços e bebidas diferentes fazem com que o cliente seja o dono da decisão do que bebe, onde, quando e quanto paga.
Apenas esse ponto já desmontaria a tentativa desta pauta jornalística infeliz.jornalismo ruim2 | A generalização da coquetelaria como um segmento de luxo

De acordo com a Abrasel (Assoc. Brasil. de Bares e Restaurantes) temos mais de 50.000 bares no estado de São Paulo e generalizar a média de preço de coquetéis versus pratos da alta cuisine paulistana é de uma preguiça imensa. Sabemos que se toma bons coquetéis sim em restaurantes médios, ou até os rebaixados, mais conhecidos como botecos.
O ato de consumir bons coquetéis não se resume à bolha dos 20 bares que nunca saem das premiações e indicações historicamente duvidosas.

3 | A tentativa tendenciosa de escolher os produtos mais caros

“….no Side, por R$43 você pode tomar um dry martini ou comer um steak tartare com fritas.”
O que a matéria gostaria de dizer, caso não fosse tendenciosa, é que (preste bem atenção) se você quiser tomar um Dry Martini em um dos 10 melhores bares especializados deste país, em um balcão chefiado por um dos nomes mais relevantes da coquetelaria na última década, em uma taça de cristal limpa e ainda assim você escolher, dentre os 5 ou 6 gins disponíveis, o segundo mais caro, você pagará R$ 43.
Infelizmente, ao fazer as contas de quanto sairia no papel cada drinque, a matéria não foi tão seletiva na escolha dos destilados, usando ao invés de gim ultrapremium um gim premium. A cachaça da caipirinha também não é a normalmente usada na maioria dos bares citados.

4 | Jornalistas, não abram um bar, pois sem ficha técnica vocês irão à falência

Ficha técnica é o documento que engloba todos os procedimentos, métodos, medidas e custos de uma receita dentro do bar. Fazer uma ficha técnica bem feita, é inserir os custos marginais ao produto final. Quer exemplos?
Não tem como fazer uma ficha técnica realista de um Aperol Spritz para um restaurante no bairro mais caro de São Paulo, sem considerar o custo da taça escolhida (e a sua reposição) o gelo utilizado, o guardanapo servido.
Seguindo a moda dos gelos perfeitos, é preciso cogitar incluir o tempo de mão de obra especializada para a execução dessa missão (aquecimento, congelamento, polidez).
Ou seja, existem custos inseridos no processo, que tornam o coquetel ainda mais custoso.
bar25 | A ideia de que a coquetelaria no Brasil é caríssima em comparação a outros países

A alta coquetelaria é caríssima em todos os lugares do mundo. Simples assim. Porém, existem milhares de botecos e bares de baixa qualidade em países como Inglaterra, Espanha, Estados Unidos e Japão. Não se iluda. Se um dry martini é mal feito aqui por 90% dos bares, evite pedir um bom dry martini em 90% dos bares de todos os países do mundo.
Se compararmos ainda, a tributação de produtos importados, pode-se dizer que se faz milagres mantendo os preços aos níveis (caros) mas competitivos com o custo.
Bares como Employees Only e Death & Co, em Nova Iorque, vendem coquetéis a 16 dólares, considerando bebidas locais e baixíssima tributação. Já o Artesian Bar em Londres vendem seus tragos a 18 libras, (libras, entendeu?). Para terminar essa rápida pesquisa, o High Five de Tóquio serve coquetéis na faixa de 20 dólares cada. Isso porque são bares, em restaurantes elitizados Cosmopolitans beiram os 25 dólares.
Por fim, a ideia de caro ou não é tão relativa quanto a falta de valor que se dá ao que se consome. Para quem não sabe a diferença entre um Campari italiano e um brasileiro, a primeira opção sempre será mais cara.

6 | Para abrir um bar é preciso 2 coisas. Um bom bartender e um ótimo financeiro

Impostos e mais impostos, encargos e mais encargos.
Infeliz ou má intencionada é a ideia de que se você comprar as bebidas, dividir o custo delas e chegar num custo final, você consegue replicar isso num restaurante.
Um restaurante além de pagar impostos inacreditáveis sobre bebidas, tem encargos com aluguel, equipamentos, mão de obra, capital de giro, cardápio, uniforme, site entre outros além de reposição com taças de vidro ou cristal, utensílios e por aí vai.

7 | Caipirinha é feita de Cachaça, limão açúcar e impostos

A matéria sugere que a caipirinha seja feita com a cachaça Espírito de Minas, porém, muitos dos bares citados escolhem outras cachaças como base da sua caipirinha, tornando a precificação diferente.

Para se ter uma ideia, de acordo com a Fiesp, um restaurante  paga em média 82% de impostos em uma garrafa de cachaça, nas cervejas 56%, refrigerante 46% e café 39%. Já ingredientes da cozinha, tem taxação de imposto em média inferior à bebidas, (açúcar 32%, arroz e feijão 17%, batata 11%, camarão 33%, carne bovina e frango 17%, cebola 16%, farinha de trigo 17%, leite 19%)bar3

8 | A comparação de que um prato não deveria ser mais barato que um drinque

Experimente colocar caviar em um pão com ovo que ele ficará muito mais caro que um hamburguer.
Experimente pedir um penne com trufas frescas e um outro ao pomodoro.
É evidente que um será mais caro que o outro.
Um coquetel (assim como um prato) é a soma das qualidades empregadas numa receita.
Não se pede mais dry martini com gins de baixa qualidade, mas mojitos na sua maioria, sim.
Onde há essa relação de que em todo estabelecimento noturno, a comida tenha que ser o carro chefe da casa?

Receba nossa newsletter com os melhores artigos do universo da mixologia.

Obrigado por se inscrever!