Você sabe qual a diferença entre gosto, sabor, percepção e aceitação de alimentos?

Estão aí alguns termos que eu tenho lido bastante em livros e que me despertam um certo fascínio. Eu achava muito engraçado que ora um livro usava o termo taste, ora era “flavour”.

Até que, pesquisando mais a fundo, vi que se referem a coisas – totalmente – diferentes e me fizeram cair de paraquedas nos conceitos de percepção e aceitação de alimentos. Eu não sei vocês, mas tais descobertas me fascinam e permitiram que eu expandisse absurdamente a visão de tudo dentro do bar e também na indústria de alimentos.

Gosto

O termo “taste” é utilizado para referir-se ao gosto percebido em alimentos através de receptores químicos presentes na boca. Nós aprendemos que existem cinco gostos básicos que podemos encontrar em alimentos (doce, salgado, azedo, amargo e umami) e que existem áreas específicas de detecção para cada um desses gostos, certo?

E se eu disser que esse mapa do gosto está errado e que são seis gostos básicos?

Bora lá… Estudos recentes revelaram que possuímos mecanismos para a detecção do gosto gorduroso, também chamado de oleogustus, e detectado devido a presença de ácidos graxos na boca. Através destes estudos, o oleogustus tem sido reconhecido como o sexto gosto básico. Porém além dos seis gostos básicos, existem outras percepções de gostos que podemos encontrar como:

Adstringente: alimentos adstringentes são alimentos que possuem um pH acima de 7 e causam a contração das mucosas da boca e diminuição da salivação – ao contrário dos alimentos ácidos/azedos que a estimulam. Se você já comeu caju ou banana verde você conhece muito bem o gosto adstringente. Ele também está presente em alimentos ricos em taninos, como os vinhos tintos secos.

Picante: A sensação de picância resulta da estimulação de terminações nervosas da boca, que enviam sinais ao cérebro e geram dor. A substância química característica desse estímulo é a capsaicina, presente na maioria das pimentas e definido pela Escala Scoville. Um alimento ser considerado picante refere-se à característica de gerar sensação de calor. Temos como exemplo de alimentos picantes as pimentas, o gengibre e a raiz forte, base para o wasabi. Experimente fazer um Bloody Mary com e sem pimenta. A diferença é gritante e você vai entender perfeitamente a importância da percepção desse gosto na experiência sensorial.

Alcóolico: o gosto alcóolico é atribuído ao etanol, ele tem um amargor muito característico da substância. Um shot de vodka explica perfeitamente a percepção do gosto alcóolico.

Conhecendo os compostos que conferem as percepções de cada gosto temos uma importante ferramenta para equilíbrio dos gostos de forma que podemos destacar, reduzir ou balancear a percepção do alimento. Por exemplo, ao fazer um sour que ficou demasiado doce, a correção que fazemos é adicionar mais limão, certo?

Isso se deve ao fato de que o gosto azedo equilibra o dulçor. Tudo isso é conhecimento teórico do que os cozinheiros e bartenders fazem na prática, muitas vezes sem nem perceber.

Sabor

O “flavour” ou sabor é considerado como uma experiência mista, porém unitária das sensações olfativas, gustativas e táteis percebidas durante a degustação. Ele é baseado na detecção de compostos químicos por células especializadas, sendo percebido, principalmente, através dos sentidos do gosto e olfato, e também influenciado pelos efeitos táteis, térmicos e dolorosos dos mecanorreceptores (que recebe estímulos mecânicos) presentes na boca.

O sentido gustativo e o olfativo são químicos, pois seus receptores são quimicamente estimulados por componentes dos alimentos. Os receptores gustativos por substâncias químicas (como os sais e os açúcares) e os olfativos por compostos voláteis (que são os compostos que conferem aroma aos alimentos, como os terpenos ésteres, fenóis e etc).

Assim, trabalham juntos na percepção dos sabores através da combinação das informações obtidas pela língua e pelo nariz, em seus respectivos centros no cérebro.

Se pararmos para pensar, as guarnições desempenham um papel extremamente importante no sabor ao nosso coquetel pois estimulam o olfato antes do contato com as papilas e os compostos voláteis são quebrados e retornam com o retorno retro nasal maximizando a percepção do sabor.

Imagine aquele seu coquetel com albumina sem a presença de algo aromático. Certamente a experiência é muito diferente.

Percepção
Mas como funciona o processo de percepção desses gostos e sabores?

O processo perceptivo começa com a captação, através dos órgãos dos sentidos, de um estímulo que em seguida é enviado ao cérebro. Este processo pode ser dividido em duas etapas; Sentir e Interpretar. Entenda melhor agora.

1) Sensação: mecanismo fisiológico onde os órgãos dos sentidos registram transmitem os estímulos externos.

2) Interpretação: fase em que o cérebro decodifica e organiza os estímulos, dando significado a eles.

A percepção é um processo dinâmico pelo qual o cérebro percebe e atribui um significado ao estímulo percebido.

A sua importância reside no fato de que ele permite que uma pessoa escolha alimentos de acordo com a sua preferência ou até de acordo com necessidades metabólicas específicas. A percepção refere-se à maneira individual da realidade criada pelo consumidor perante determinado produto, podendo haver discrepância entre o estímulo emitido pelo ambiente e aquele percebido pelo indivíduo.

Pense que você acabou de fazer o seu Negroni.
A primeira percepção que você tem é através da visão, onde você enxerga a cor avermelhada do coquetel, que ele possui um zest de laranja, que vai gelo… Depois, ao aproximar o coquetel da boca, você recebe um estímulo olfativo dos compostos presentes nos ingredientes do coquetel. Os receptores presentes nas narinas, enviam uma mensagem ao cérebro que reconhece os compostos, então sabemos que o aroma que estamos analisando é o aroma característico de laranja, do Campari e assim vai. Na boca, com a ação dos receptores químicos, táteis e também com o retorno retro nasal percebemos que sim, trata-se de um Negroni. Ou seja, nossos órgãos dos sentidos e cérebro trabalham em conjunto na percepção sobre os alimentos.

Aceitação

Você já deve ter reparado que a grande maioria das pessoas tem preferência por coquetéis doces a amargos. Mas por que isso?

Pesquisadores afirmam que temos aversão aos sabores amargo e azedo por instinto de sobrevivência, já que a maioria de toxinas e venenos possuem estes gostos. Por outro lado, o sabor doce atribuído a carboidratos nos transmite um estímulo de segurança e predileção pois tendem a ser boas fontes energéticas.

Para Gary Beauchamp, especialista em sabores do Monell Chemical Senses Center, nos Estados Unidos, nossas preferências por gostos são tanto genéticas como aprendidas na vida. Quanto aos fatores genéticos, é importante citar o gene TAS2R38, que é um gene que codifica o receptor de gosto amargo. Há muitos genes que detectam gostos e esse é famoso porque detecta o componente amargo ao qual algumas pessoas são muito sensíveis e outras menos. Pessoas muito sensíveis acham os alimentos muito amargos, já as “resistentes” aceitam mais facilmente esse gosto.

A compreensão do mecanismo desse gene é um bom exemplo de como nossas escolhas de comida podem ser moduladas pela genética. Mas veja bem, o gene não determina a aceitação do gosto amargo e sim, a sensibilidade da exposição a ele. Isso não quer dizer que um indivíduo sensível ao gosto amargo nunca vá aceitar um Negroni, veja bem:

O modo como cada indivíduo percebe determinado alimento influencia sua resposta ao mesmo, ou seja, sua aceitação.

A percepção das características de um alimento é afetada por muitos fatores individuais, que incluem atributos sensoriais (como aroma, gosto, textura, cor…) que interagem juntamente com fatores psicológicos, comportamentais e cognitivos dos consumidores. Isso é facilmente percebido quando analisamos as questões culturais e comportamentais de diferentes pontos geográficos.

Por exemplo, a aceitação de um Hanky Panky, rico em notas mentoladas, vai ser totalmente diferente para um indivíduo que mora em Londres a outro que mora em Salvador. Isso se dá pelas diferenças culturais, diferentes experiências de vida e, também, a relação que cada um desenvolve com o coquetel.

Esse é um dos temas da minha palestra no Bar Convent SP 2022, que acontecerá nos dias 21 e 22 de junho, em São Paulo. Te convido a participar do evento e da minha palestra, onde focarei no gosto ácido, principalmente. Nos vemos no BCB2022!

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