Fora do Eixo é a coluna de Alison Oliveira, bartender paulistano e nosso novo colunista que trará em uma pesquisa “fora do eixo”, a cultura de coquetelaria, história e tendências do continente africano além de destilados e fermentados do “velho continente”.

Você sabe o que significa a palavra “Decolonialidade”?
Não é uma palavra de fácil entendimento e nem faz parte do nosso dia-a-dia.
Em uma visão simplificada, decolonialidade quer dizer:

“Tirar os colonizadores do centro dos pensamentos, estilo de vida e costumes.”

Mas o que isso tem a ver com coquetelaria e o que servimos e bebemos nos bares de todo o Brasil?
Muita coisa e podemos entender iso partindo do princípio das colonizações européias.

Retirar a Europa do centro das coisas (o tal do eurocentrismo), dá um outro ponto de vista ao noso cotidiano, ampliando a nossa observação ao modo de consumo de bebidas alcoólicas seja em costumes, rituais e hábitos de consumo. Com base nisso e compreendendo o que é decolonização, podemos falar do continente mais antigo do planeta, África. Infelizmente, sempre aprendemos nas escolas sobre uma África em formato de unidade, “o continente africano”, e  não como um continente diverso, com os mais diferentes costumes, tradições e culturas.

Antes da colonização a divisão territorial que vemos no continente era basicamente feita entre grandes reinos e impérios.

Atualmente o continente é formado por 54 países e nove territórios e é também é responsável por cerca de 14% de toda a população mundial. O continente está rodeado pelo mar Mediterrâneo ao norte, pelo Canal de Suez e o Mar Vermelho pelo nordeste, o Oceano Índico pelo sudeste, e o Oceano Atlântico pelo oeste.

Os reinos africanos pré-coloniais geralmente incluem Egito, Cartago, AxumNumídia e Núbia, mas também podem ser estendidas à Terra pré-histórica de Punt. E essa é uma capítulo lindo da história africana que ainda foi pouco explorado.

Outros impérios e reinos importantes são: Império de Ashanti, Reino do Congo, Império do Mali, Reino de Zimbábue, Império Songhai, o Império de Gana, Estado de Bono e Reino de Benin.

Sendo um homem negro brasileiro, minha perspectiva de proximidade com o continente é entender de onde vieram as pessoas escravizadas aqui no Brasil. Os países que tiveram a maior população escravizadas aqui em solo brasileiro foram: Cabo Verde, Senegal, Guiné Bissau, Gana , Togo, Benim, Nigéria, Angola e Moçambique.

Como Sankofa:
“Olhar para trás para ressignificar o presente e construir o futuro”.

A partir disso vamos entender as bebidas locais e tendências e se estender a todo o continente.
E começaremos hoje pelas bebida mais popular e tradicional do arquipélago de Cabo Verde, nação da costa noroeste africana, que assim como nós, fala o português em sua expressão cultural crioula luso-africana.

Grougue (Grogu ou Grog em crioulo) ficou famosa na ilha em meados de 1740 por causa de Edward Vernon, capitão das embarcações inglesas que mandava os marinheiros aumentar a proporção de rum adicionando água, mantendo a bebida dos oficiais sem nenhuma mistura.

Produzida já a mais de 300 anos, é uma bebida espirituosa com teor alcoólico de 38º a 54º GL, resultante da destilação do mosto da cana-de-açúcar fermentado de forma natural.

Já a aguardente velha passa por um período de envelhecimento mínimo de 12 meses em recipientes de madeira. As principais ilhas produtoras do grogue são Santo Antão, Santiago e São Nicolau. Os métodos de produção são essencialmente artesanais e quase toda a cana-de-açúcar das ilhas é usada para a produção de grogue.

Após a colheita da cana-de-açúcar inicia se o processo de produção que compreende várias fases tais como conhecemos aqui: moagem, fermentação e destilação.

Moagem – Processo onde se extrai o mosto da cana-de-açúcar num prensador chamado “Trapiche” (equipamento utilizado na prensagem da cana-de- açúcar para a obtenção do caldo, através de dois bois que andam a volta do trapiche para fazer a máquina rodar).

Fermentação – Aqui o caldo é armazenado em grandes barris  por longo período (12 a 15 dias) para ficar bem fermentado. No processo de fermentação o açúcar é transformado em álcool, considerada perfeita quando todo o açúcar é convertido em álcool.

Destilação – Depois de ser fermentada, o mosto fermentado vai para o destilador que se chama de alambique. O alambique é um caldeirão feito de metal, como um forno no chão. O alambique aquece e o mosto começa a ferver. Em 78°C o etanol é evaporado, exatamente o álcool desejado. O caldeirão é ligado a um tubo, e em cima do tubo põe-se água fria para então o álcool evaporado se condensar.

Infelizmente, por conta da baixa produção de Grogue em Cabo Verde, é muito comum encontrar Grogue adulterado e de baixa qualidade. Depois de preparado, assim como nossos hábitos aqui, é comum mergulhar ervas medicinais e ou aromáticas no Grogue, como por exemplo arruda, alecrim e erva-doce.

Outra curiosidade é que assim como descansamos caranguejos na cachaça aqui no Brasil, cobras em vinho no sudeste asiático, em Cabo Verde se coloca percebes/perceves (uma espécie de crustáceo) dentro de garrafas de Grogue.

Além da cena popular do Grogue, que nos leva a ver uma dezena de rótulos baratos, uma nova indústria vem surgindo lentamente e oferecendo produtos cabo-verdianos com melhor qualidade e apresentação.

Dois desses representantes são o Grogue Mestre das Ribeiras, ao lado, que acrescenta sabores de ameixa, canela e pimenta preta e o Grogue Official do belo vídeo acima.

À convite do Mixology News, serei seu comandante nessa viagem que faremos pela cultura etílica africana. Nossa primeira parada antes de adentrar o continente africano, já que Cabo Verde é um arquipélago de dez ilhotas no Atlântico Norte, entre nossa casa e nosso berço.

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