Em tempos de Covid-19 e previsão de recessão global, qual é a responsabilidade das marcas nesse momento? Até onde as marcas devem sustentar os bartenders?

Vivemos tempos difíceis, onde a pandemia do Covid-19 nos colocou em confinamento e por consequência, nos trará enormes desafios no campo da economia por conta de uma possível e provável recessão que o mercado de alimentos e bebidas sofrerá nos próximos meses, influenciando dessa forma a indústria de bebidas.

A previsão é que haja uma forte desaceleração no consumo, fazendo com que os clientes tenham que evitar seu habitual happy hour e por consequência, muitos bares e restaurantes enfrentarão dificuldades para manter suas contas em dias e infelizmente, demitir funcionários.

Conforme estimativas da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, a queda de faturamento já beira 80% desde a quarentena voluntária da população, o que afeta diretamente a geração de caixa sobretudo dos pequenos e médios negócios, que representam mais de 90% do setor de alimentação fora do lar.

Neste momento, centenas de profissionais informais já estão fora dos postos de trabalho, sem remuneração garantida, ou ainda, sem gorjeta, parte significativa dos seus rendimentos.

O que as marcas estão fazendo?

Diversas companhias já se prontificaram a apoiar de alguma forma e pelo o que conseguimos apurar, essas são as maiores e mais relevantes contribuições até o momento.

O grupo Bacardí anunciou a criação de um fundo global de 3 milhões de dólares para ajudar bartenders durante o período do Covid-19. Além disso, uma mudança na produção da Bacardi em diversas destilarias de rum por todo o mundo levará à produção de 1,7 milhão de unidades de álcool gel para conter a propagação do vírus.

Juntos, Beam Suntory e a distribuidora americana Southern Glazer’s Wine & Spirits (SGWS) contribuíram com 1 milhão de dólares para o Programa de Assistência de Emergência da  USBG Foundation  (United States Bartenders Guild) e para a Community Workers ‘Restaurant Foundation.

A Tequila Patrón doou 1 milhão de dólares para ajudar a indústria de bares e restaurante e seus trabalhadores para combater os danos da Covid-19.

No Reino Unido, a Diageo investirá 1 mihão de euros para ajudar a pagar os salários de milhares de bartenders de casas clientes das marcas do grupo, como Johnnie Walker e Smirnoff entre outras.

O grupo Campari doou 1 milhão de euros à instituição pública de saúde ASST Fatebenefratelli Sacco em Milão, centro de excelência nacional na pesquisa e tratamento de doenças altamente contagiosas e perigosas. A doação de Campari ajudará a lidar com pacientes criticamente afetados pelo Covid-19.

O dilema está posto

Na minha opinião – e acredito que diversos pontos de vista diferentes são possíveis nesse cenário tão incerto – o dilema posto é o seguinte:

Até onde as marcas devem sustentar bartenders?

Criar fundos e iniciativas que paguem o custo de vida de bartenders ou investir todo OU investir todo o recurso em ações diretas que reergam financeiramente as empresas que contratam os bartenders?

Quem são, de fato, os clientes das marcas de  bebidas?
Por menos romântico que isso seja, são as empresas de bares e restaurantes.
Se as empresas estão saudáveis, atendem mais clientes, compram mais produtos e empregam mais bartenders.
As empresas contratam e demitem bartenders.

E isso nos leva ao próximo ponto.

Marcas não devem sustentar bartenders

Quando uma companhia ou uma marca escolhe sustentar custos fixos ou básicos da comunidade de bartenders, temos dois possíveis cenários:

1 – Quem deveria fazer não o faz. Leia-se Empregadores, Sindicatos e Ministério do Trabalho do Governo Federal.

2 – Cria-se um vínculo de interdependência que pode trazer interesses escusos à relação “Empregado X Empregador”.

Então, chegamos a uma complicada equação.

Como uma marca escolherá quem receberá benefícios? Com quais critérios?
Das centenas de milhares de pessoas necessitadas, quais critérios identificará quem de fato precisa?
Como não transformar essa doação em ação de marketing ou um “adiantamento de um interesse futuro”?
E mais, como não transformar essa doação em um efeito negativo, onde obviamente a maior parte dos necessitados não será atendida gerando um retorno negativo de marketing?

Ainda, qual o critério para determinar que bartender fará melhor uso desse investimento ou não?

É preciso colocar luz à essa questão, para que todos nós possamos entender quais as relações que se formarão a partir de um momento delicado como esse.

Para não ficarmos apenas na teoria, apresentamos aqui algumas ações práticas que podem ser utilizadas para fomentar o mercado neste momento.

Ações Práticas

Mesa redonda e acordos multilaterais entre os presidentes das multinacionais

É chegada a hora dos presidentes das multinacionais, importadoras e pequenas distribuidoras sentarem em uma mesa virtual de negociação e assinarem um acordão de compromissos e de boa vizinhança em prol da indústria e do mercado como um todo.

Não é tempo de “a bola é minha” e sim de objetividade coletiva. É necessário, embora um pouco utópico, que isso aconteça para que acordos baseados na confiança e não no medo possam colocar toda a cadeia do negócio em um novo ciclo de prosperidade.

Assim, com a certeza de que é melhor se unir agora, ser moderado nas ações comerciais e de marketing e mais, se ajudar conjuntamente, superaremos essa crise mais rápido, com menos falências e inadimplências.

E então, poderiam aplicar algumas sugestões como estas aqui:
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Adiamento dos pagamentos das compras para 180 dias

Imagine se todas as companhias juntas, chegam no acordo coletivo que os seus atuais clientes, que possuem bom histórico de pagador, poderão emitir seus boletos de novos pedidos de produtos e realizar o pagamento em 180 dias, ou seja, seis meses.

Isso traria uma segurança e confiança para os proprietários remanejar o fluxo de caixa atual para evitar demissões em massa e projetar seus pagamentos para o futuro.

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Pagamento antecipado de contratos à vencer para bares e restaurante

Sabemos que muitos bares e restaurantes possuem contratos de um ou dois anos com multinacionais do mercado de bebidas.

Imaginem se esses clientes, sempre os bons pagadores e cumpridores do seu contrato, pudesse antecipar o recebimento das parcelas do contrato para dar um respiro no caixa nesses meses de retorno.

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Multinacionais e empresas fazendo o bom lobby junto às associações de bares

Grupos de chefs, bartenders e donos de bares e restaurantes tem se articulado através do whatsapp para criar ações de cobrança ao poder público, como suspensão dos tributos e facilidade de créditos.

Sindicatos como a Abrasel e o SindRio tem se posicionado com grande esforço frente ao Governo Federal com previsões pessimistas para o mercado e demandas para reduzir o drástico impacto que virá pela frente.

Os presidentes e diretores das grandes empresas da indústria de bebidas poderiam  se organizar para usar da sua influência frente aos vereadores, deputados e prefeitos para aumentar o peso da cobrança por ações positivas do governo.

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Produção de conteúdo online de qualidade para educar e entreter os bartenders

Antes que pudéssemos colocar nossos chinelos e se preparar para a Quarentena, pipocaram diversas Lives e Vídeos no estilo “Como preparar em casa” nos smartphones de todo mundo. Muitos dos conteúdos eram supérfluos e só confirmavam uma incapacidade de desligar do modo workaholic que por sinal nos trouxe até o confinamento.

Marcas podem se organizar com seus times e agências de marketing para promover conteúdos pautados, com qualidade, com didática e objetividade, colocando na mão dos bartenders nomes de influência da coquetelaria compartilhando seus ensinamentos e suas visões sobre o futuro da dos bares.

Médio e Longo Prazo

Contratação de embaixadores para um plano “Bartender Próspero”

Se tem uma coisa que essa crise de saúde pública veio nos ensinar é que não estamos preparados para nada ainda. E não só os bartenders, mas os cozinheiros, os garçons, caixas, seguranças e muitas outras profissões.

Esse é um problema central da nossa formação enquanto cidadão. Em geral, nos faltou educação básica, precisamos admitir. Educação financeira, educação sanitária, educação social (a tal da cidadania) entre outros.

Porém, como aqui estamos falando apenas de bartenders, uma das melhores ações que vejo no longo prazo é marcas investirem em grandes nomes da coquetelaria para fomentar a Educação da Prosperidade.

Planos de relacionamento e educação que prepararão as novas gerações de bartenders em um novo nível de maturidade.

Aulas de Educação Financeira e Investimentos, Sustentabilidade, Comunicação-Não-Violenta,  Programação Neuro-Linguística, Consumo Alcoólico Consciente, Meditação e Cultura de Paz  entre outros são  algumas dos temas que poderiam ser abordados para elevarmos a educação dos bartenders no médio e longo prazo.

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Bônus para empresas não demitirem nesse momento

Qualquer empresa tem o direito de demitir funcionários a todo momento conforme a lei.
Mas, que tal marcas apoiarem empresas que não demitem funcionários e encaram a crise juntas?

Nessa proposta, apurado que a empresa não demitiu nenhum funcionário por 3 ou 6 meses, a marca pagaria um bônus ou ofereceria uma bonificação de produtos.

É claro que todas as ações aqui são inspirações e não tem soluções técnicas para todos os detalhes, mas de qualquer forma, o objetivo é direcionar todo o investimento das marcas para quem contrata os bartenders, que são os bares.

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Movimento Apoie um Restaurante por Stella Artois

Para mim, uma das ações mais efetiva e bem posicionadas no que estou tentando traduzir como: ” Marcas, estejam onde vocês precisam estar”.

A marca de cervejas Stella Artois, da fabricante Ambev, criou o movimento “Apoie Um Restaurante”, que doa dinheiro para os estabelecimentos a partir de uma plataforma desenvolvida em parceria com a startup ChefsClub.

Na mecânica da campanha os consumidores precisam acessar o site, comprar um voucher de 50 reais e,  presencialmente no futuro, trocar por produtos que totalizem 100 reais.

Desse modo, o cliente ganha 50% de desconto na compra, a Stella Artois paga a outra metade e o restaurante ou bar arrecada receita mesmo de portas fechadas. O valor será 100% revertido aos estabelecimentos.

Serão disponibilizados milhares de cupons para resgate em diversas regiões do Brasil. O objetivo da campanha é reunir mais de 1.000 estabelecimentos de alimentação na plataforma.

Indústria não é Governo

Por mais que a gente queira colaborar, precisamos lembrar que a Indústria de Bebidas não tem o papel de atuação do Governo Federal. As esferas federais devem assumir a parte que lhes cabe e a indústria de bebidas (assim como as demais) devem assumir também a sua parte.

Ter essa consciência ajuda as marcas e seus diretores e gerentes à entender que toda a qualquer verba disponível – a não ser que tenha finalidade de combate direto ao vírus, em escala nacional – deve ser investida em toda a cadeia de consumo, fazendo com que a economia gire mais rápido acelerando o processo de recuperação do seu próprio mercado.

É do Governo Federal que esperamos que venha todo o suporte ao trabalhador, entre eles Auxílio Salarial Emergencial e pacotes de isenção fiscal, linhas de crédito e prazos longos para o capital de giro.

Mudar a forma de negociar

O fato é que alguma coisa mudou nesta pandemia.
Não negociaremos como antes novamente.

É preciso reconhecer o momento que vivemos para podermos superar. É preciso desligar. Um pouco que seja.
O vírus está nos ensinando que desse jeito, não conseguiremos ir muito além, aumentando as desigualdades, frustrações e depressões que vivemos diariamente.

Foi o  medo da escassez que nos tornou escassos.
Foi o hábito de querer garantir o meu antes dos outros, foi o medo da falta que nos levou até aqui.

O pensamento do “Eu tenho medo, logo acumulo, eu quero tudo pra mim logo eu não confio em ninguém” nos trouxe até o confinamento e nos fez perceber o quão egoísta é nosso modo de pensar hoje em dia, onde o “Eu Primeiro” vale mais do que o “Nosso Junto”.

O vírus veio nos ensinar, a Mãe Natureza veio nos educar.
O sistema como conhecemos está prestes a quebrar, isso é inevitável.
Enquanto plantarmos o medo, colheremos o medo.
Quando plantarmos a empatia, compaixão e o amor, colheremos os seus frutos.

Vem surgindo um novo tempo para movermos a economia e as relações interpessoais.
Esse novo tempo é movido pela confiança e não pelo medo.

Eu confio; portanto prosperaremos juntos.

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